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Sobre Assassin's Creed Shadows, singularidades, passado e derramamento de sangue — Análise | Crítica

Foto do escritor: Maya SouzaMaya Souza

Atualizado: 19 de mar.

Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

Nada é verdade, tudo é permitido. O mundo de hoje é diferente do que foi ontem, e diferente do que será amanhã. Seja o passado, o presente, ou o futuro, nada permanece inerte. Nada é verdadeiro. Enquanto, ao mesmo tempo, somos os arquitetos da história e ainda que graças ao capitalismo, sejamos privados da liberdade de realizarmos o que quisermos, sejam sonhos ou não, enquanto em comunidade, unidos, forjamos a nós mesmos e o futuro.


Vivemos numa sociedade construída como um amálgama de diferentes culturas, etnias e singularidades. Mas se hoje há algum conforto em vivermos como nós mesmos, se hoje possuímos direitos, que sejamos gratos pelas lutas das mulheres, trabalhadores, pessoas negras, população LGBTQIA+ e às demais minorias sociais. Durante inúmeras décadas, vidas inteiras foram tomadas de forma gratuita. Muito sangue foi derramado para a conquista do mínimo. Quantas pessoas desapareceram da história lutando pela possibilidade de um futuro melhor que não viveriam? O nosso presente é apenas parte desse sonho. A luta não acabou e, infelizmente, nem vai acabar tão cedo. Vidas continuam sendo tomadas, o sangue continua tingindo o chão. Estamos diante de um momento em que tentam derrubar os poucos direitos que carregamos conosco. Tentam apagar as histórias que escrevemos, alterar memórias coletivas, anular as vitórias e arrancar as nossas identidades. Tentam transformar as lutas sociais, que já duram séculos, em ações vãs.


Precisamos manter a história viva, nós não podemos permitir que as palavras entrem em chamas de novo, da maneira que for.


Por sua vez, Assassin's Creed, uma franquia de ficção científica e histórica, tem como base a exploração do passado da humanidade. Na pele de personagens fictícios que costumavam compor ou auxiliar uma ordem secreta de assassinos, nos misturávamos às vidas de grandes e pequenas figuras históricas, jogávamos interpretações de acontecimentos que mudaram o mundo. Uma representação das diferentes eras e culturas espalhadas pelo planeta, criada, como indicado na abertura de cada um dos jogos, por uma equipe plural, multicultural.

Assassin's Creed (2007) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed (2007) | Reprodução: Ubisoft

Ainda assim, nos anos recentes, a Ubisoft, empresa responsável pela franquia, fez esforço para de alguma forma escantear as minorias sociais em seus jogos. Não que não houvesse pluralidade na franquia, longe disso: Assassin's Creed III foi protagonizado por um Kanien'kehá:ka, o indígena norteamericano Ratonhnhaké:ton. Aveline de Grandpré foi a primeira mulher negra a frente da franquia. Adéwalé, um escravo negro espanhol, foi um dos personagens mais importantes de Black Flag e recebeu o papel principal na DLC Freedom Cry, em que se dedica a libertar as pessoas da escravidão.


De qualquer maneira, a maioria de seus protagonistas, talvez os mais lembrados, são homens brancos, héteros, e cis. Aveline e Adéwalé protagonizaram, sim, mas apenas em jogos spin-offs ou DLCs. O mesmo vale para Shao Jun, uma mulher chinesa, que só assumiu o papel principal num side-scroller 2.5D. Eu não quero e nem posso diminuir quem esses personagens são, o que representam, ou mesmo os seus próprios jogos. Eu não quero e nem posso diminuir o valor multimídia da franquia e tudo o que nos é apresentando em seus quadrinhos e animações. Mas é fato a carência desses personagens nos grandes holofotes.


Assassin's Creed Syndicate (2015) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Syndicate (2015) | Reprodução: Ubisoft

Quando Assassin's Creed Syndicate foi lançado a dez anos atrás, vimos dois personagens ocupando o protagonismo: os gêmeos Jacob e Evie Frye. Pela primeira vez na franquia, temos uma mulher como protagonista na série principal! Mas quem permaneceu constante em thumbnails de trailers e ocupando o centro da capa do jogo foi o Jacob. A presença de Evie no marketing apenas cresceu com o lançamento da expansão do jogo.


Já em Assassin's Creed Odyssey, de 2018, podemos escolher com quem vamos explorar a Grécia, entre os irmãos Alexios e Kassandra. Jogaremos apenas com quem escolhemos, e o personagem não selecionado assumirá o papel de antagonista. Odyssey chegou como uma grande cisão na franquia, pois se afundou ainda mais no fator "rpg" que Origins estabeleceu no ano anterior — claramente inspirado por The Witcher 3: The Wild Hunt —, e incluiu um novo sistema de diálogos e escolhas numa franquia conhecida por narrativas lineares baseadas na história.


Algo parecido aconteceu em Valhalla, que manteve parte das ideias de Odyssey. Nele, ao invés de novamente escolhermos entre irmãos, selecionamos o gênero do personagem principal, algo que pode ser alterado a qualquer momento — ou deixamos o jogo escolher em nosso lugar. Eivor pode ser homem ou mulher. Isso é contigo, e ok. Eu não me importo com a inclusão do sistema de escolhas ou mesmo com a seleção de um personagem ou outro, porém, esses jogos possuem um "canon".


    Assassin's Creed Odyssey | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Odyssey | Reprodução: Ubisoft

No universo da série, Kassandra é quem vive a odisseia e Eivor é mulher. Mas quem que está nas CGs de anúncio dos dois jogos? Quem está presente na capa que os vende? Alexios e o Eivor homem. Esse jogos permitirem você escolher com quem jogará, homem ou mulher, deixa de ser uma forma de oferecer mais expressão ao jogador e se torna um símbolo da fraqueza da Ubisoft, que não se permitia assumir as personagens femininas como a força dos seus jogos.


Tudo isso acontecia enquanto ao mesmo tempo, os diretores e executivos da empresa eram denunciados por manterem um ambiente tóxico em seus escritórios, sem tomar qualquer atitude contra a presença de abusos, assédio e sexismo contra as mulheres que trabalhavam lá. Dezenas de funcionários pediram demissão. Isso não pode ser esquecido nunca.


Em consequência disso, somada com o estilo de produção fordista que a empresa parece adotar para o desenvolvimento dos seus jogos, independente da qualidade deles, seu desempenho caiu. Assassin's Creed Mirage, Prince of Persia: The Lost Crown, Skull & Bones e Star Wars Outlaws performaram muito abaixo do esperado. Xdefiant, seu novo fps competitivo, será fechado em breve com só um pouquinho mais de um ano de vida. No início desse ano, a Ubisoft fechou um dos seus estúdios e demitiu mais de 185 pessoas.


Assassin's Creed Shadows, o mais novo jogo da série principal, será lançado nesse contexto, no dia 20 de março. Ele não apenas nasce mediante um momento tortuoso na empresa, mas no centro de uma crise de identidade carregada pela sua própria franquia. O futuro da Ubisoft está em jogo, e Shadows, depois de dois adiamentos, é uma carta escrita para tentar evitar a venda da empresa, ou um destino pior.


    Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

Primeiro, é importante pensar no principal, mas não único, estúdio por trás do desenvolvimento do jogo, a Ubisoft Quebec, que no passado nos trouxe Assassin's Creed Syndicate e Odyssey. Quando paramos pra pensar nos seus lançamentos, eles se posicionam de uma maneira interessante: Syndicate era o sucessor de Unity, o jogo que prometeu uma revolução na franquia a partir de um salto geracional entre consoles, mas cuja estreia e reputação foram destruídas diante de inúmeros problemas de performance e bugs. Não poderiam mais acontecer falhas como essa, e Syndicate se apresentou como um jogo menos ambicioso.


    Assassin's Creed Unity (2014) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Unity (2014) | Reprodução: Ubisoft

Para além da a escala de seu mapa diminuída, e diminuição da quantidade de abordagens possíveis em suas missões, o jogo retornou a um combate parecido com aquele presente na era das américas, enquanto manteve uma base de stealth parecida a de seu antecessor. Em troca, agora tínhamos dois protagonistas e um gancho para escaladas. Ainda que, na teoria, fossem personagens com filosofias de design diferentes, pois Jacob seria mais capaz no combate e Evie mais eficiente do stealth, jogar com eles era uma experiência muito, muito próxima.


O parkour continuava lindíssimo de se assistir, mas tão automático quanto em Unity e parcialmente escanteado pela presença constante do gancho. A possibilidade de expressão do jogador pelo movimento continuava presente, mas menor. Além disso, Syndicate expandiu um pouquinho os pequenos sistemas de RPG que seu antecessor havia começado a brincar. De qualquer forma, a fórmula estabelecida por Assassin's Creed 2 continuava super presente aqui, e junto aos lançamentos anuais, inflados e estagnados, o cansaço se mostrou claro.


A franquia entrou num hiato de dois anos, retornando com Assassin's Creed Origins. Ao invés de nos aprofundarmos nas jornadas individuais de seus protagonistas enquanto unidos às filosofias de um credo fundado a séculos, conheceríamos o nascimento da Ordem sob os olhos do último medjay, Bayek, em pleno Egito Antigo. Tudo havia mudado. Assassin's Creed deixava para trás o seu passado como uma franquia de ação de aventura descendente de Prince of Persia, para se assumir dentro do gênero de RPG enquanto explorava a sua própria origem.


Assassin's Creed Origins (2017) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Origins (2017) | Reprodução: Ubisoft

Não estávamos mais "presos" a grandes cidades, pois agora podíamos viajar por todo o Egito. A visão de águia se tornou, literalmente, uma visão de águia. O parkour foi deixado de lado para priorizar um sistema de escalada funcional em todo tipo de superfície. Um combate não era mais baseado em contra-ataques, mas em desvios, rolagens, parrys e espancamento de inimigos esponjas de dano. Um jogo com uma ênfase menor no stealth e mais focado em números.


Essa filosofia de design foi mantida pela Ubisoft Quebec, e no ano seguinte recebemos Assassin's Creed Odyssey, um caso delicado dentro da franquia. Enquanto Origins parecia tímido com os seus sistemas, seu sucessor não tinha vergonha alguma. Os níveis e equipamentos se tornaram muito mais relevantes e o incentivo ao stealth ficou ainda menor. Somos guerreiros gregos super poderosos capazes de tudo. O seu loop agora enfatizava a exploração acima de tudo, e para se "qualificar" ainda mais dentro do seu gênero, agora contava com sistemas de escolhas que alteravam o caminho da história. Um jogo maior, mais expansivo e mais inflado.


    Assassin's Creed Valhalla (2020) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Valhalla (2020) | Reprodução: Ubisoft

Outro detalhe importantíssimo é a sua era: Odyssey acontece durante a Guerra do Peloponeso, gerações antes Bayek e Aya nascerem, antes da criação da Ordem dos Assassinos. Todas as escolhas tomadas para a criação do jogo deixaram Assassin's Creed ainda mais irreconhecível ao seu passado, uma distância mantida por Valhalla, de 2020, que parece ter vergonha de si mesmo e veste seus sistemas com uma máscara.


Lâminas ocultas, capuzes e nem a presença do grupo que se transformou na Ordem dos Assassinos foram suficientes para livrar a franquia de uma espécie de crise de identidade. A mudança de princípios foi tão grande que bateu saudade da era que um dia foi estagnada. Iconografia, por si só, não é suficiente para carregar um nome. Mas retroceder não é uma opção. Nem a transição da franquia para o RPG e nem suas temáticas e eras são o problema.


A razão da atual crise, para além dos problemas da Ubisoft como uma empresa horrível para se trabalhar, é a mesma que a franquia sempre enfrentou: a estagnação é resultado do maximalismo em lote. Eles precisavam ser tudo, para todos, mesmo que as ideias não conversassem. O passado, presente e futuro entraram em guerra. Quando Mirage veio, foi entregue como uma homenagem às origens das franquia e deixava de lado o molde RPG que Origins fundou para se construir com o foco em uma só cidade, stealth social e parkour, numa escala próxima a que os jogos da empresa tinham na sétima geração de consoles. Assassin's Creed Shadows não toma esse caminho.


    Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

Estamos diante da mais nova iteração da era de RPGs de Assassin's Creed, um jogo que parece ser a fusão dos dois lançamentos anteriores da Ubisoft Quebec: temos um mundo enorme, conteúdista, maximalista e repetitivo, com um sistema de escolhas, árvore de habilidades e foco em exploração semelhantes a Odyssey. Enquanto as ideias de dois protagonistas jogáveis e um gancho para auxílio às escaladas voltaram de Syndicate, além dele também ser o projeto que tentará erguer a franquia (e a empresa) de sua crise.


O Japão, desde sempre, foi muito pedido pelos fãs da franquia como a ambientação de um jogo principal, e cá estamos, em pleno século 16 durante os avanços militares de Oda Nobunaga. A história de Shadows é contada sob os olhos de dois personagens que, inicialmente, estão em lados opostos. Naoe, uma shinobi da província de Iga, filha de Fujibayashi Nagato (que existiu), e Yasuke, um moçambiquenho que serviu ao daimyō Oda Nobunaga.


Pela primeira vez em toda a franquia, temos um personagem histórico como protagonista, e para além disso, um homem negro, estrangeiro, ex-escravo, com status de samurai no Japão. Se não fosse suficiente, o outro rosto do jogo, tão presente na capa e marketing quanto Yasuke, é de uma mulher japonesa! Apesar do posto compartilhado, Naoe claramente lidera a história e é personagem com quem jogamos por mais tempo durante toda a (longa) introdução do jogo.


Nesse exato momento, a Ubisoft prepara os seus funcionários para protegê-los do assédio do público. Desde de o seu anúncio, Shadows e seus desenvolvedores sofrem de ataques graves barulhentos espalhados pela internet, proliferados por misóginos, racistas e nazistas. A existência de Naoe e Yasuke, personagens de videogame, foram suficientes para engatilhar ameaças de morte de uma parte nojenta da comunidade. Algo parecido com o que aconteceu no ano passado, também com a Ubisoft, com a chegada de Star Wars Outlaws e sua protagonista, a caçadora de recompensas, Kay Vess.


    Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

É curioso como a comunidade de uma franquia conhecida por explorar diferentes culturas e etnias espalhadas pelo todo mundo, desenvolvida por pessoas que as vivem todos os dias e também compõem minorias sociais, seja tão marcada por gente asquerosa que deveria estar na cadeia. A quantidade de pesquisas sobre o nome "Yasuke" subiu muito desde o trailer de anúncio. O resultado foi uma tentativa de diminuir o personagem, "justificar" o argumento de que nunca foi samurai, reduzir o seu poder, peso e presença no jogo, apenas pela cor de sua pele. Naoe passou por algo parecido, com seu protagonismo sendo diminuído por esse público, apenas por ela ser mulher.


Parte disso é responsabilidade dos executivos da empresa, que além de ter reduzido suas personagens mulheres no passado, em suas declarações, preferem deitar na mesma cama dessa corja. A razão é óbvia. Querendo ou não, esses problemas geram atenção e dinheiro, enquanto a presença de personagens como esses ser permitida por eles é puro pinkwashing, seja Evie, Kassandra ou Eivor, mesmo que escondidas. O capitalismo é uma desgraça que fere tudo o que toca, e está presente em tudo. Nós não podemos ceder, por mais que a Ubisoft tente.


No fim, esses personagens não foram escritos por executivos multimilionários ou simpatizantes da gamergate, mas por pessoas de verdade. A presença de Naoe — finalmente uma mulher como o rosto da série principal —, e Yasuke, um samurai negro, como uma marca histórico-cultural da franquia, precisa der comemorada. Esses dois personagens são complementares, e os alvos das críticas são, na verdade, parte do que faz Assassin's Creed Shadows crescer.


Eu dou valor ao bastante valor ao fator "mundano" em qualquer obra que dê um espaço pra isso, e é algo que Shadows é recheado. Mesmo que muito velozes, fortes, resistentes e poderosos, o elenco principal do jogo é, acima de tudo, humano. Naoe é completamente movida pelo amor, seja pelo seu pai, ou pelas pessoas que vivem ao seu redor, pela nova família que passa a construir. Ela é a clássica protagonista de Assassin's Creed, uma pessoa que vive uma série de tragédias que a conduzem para uma jornada cega de vingaça, mas o amor sempre fala mais alto.


    Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

É lindo ver o apreço dela pela música. É lindo a observar distribuindo e apreciando saquê na tentava de criar laços. É lindo a acompanhar compartilhando as histórias e tradições de Iga e de sua família para manter viva a memória daqueles que se foram. Naoe, às vezes, é impulsiva. Naoe, às vezes, confia até demais. Naoe, às vezes, se perde no desespero. Naoe sente por cada morte que trás. Naoe é, acima de tudo, humana.


O mesmo vale para Yasuke, um homem negro escravidado por jesuítas napolitanos e portugueses. Mesmo depois receber uma nova vida graças a Nobunaga, continuou diante do derramento de sangue, por vezes, de corpos inocentes. Humilhado, reduzido por Valignano como alguém capaz apenas de carregar chinelos, ainda que conheça sua inteligência e força, por vezes, ele não se enxerga como digno daquilo que o oferecem. Sua vida inteiro é luta. Por toda a sua vida, ele navega no mar de lágrimas.


Ao mesmo tempo, ele passa a ser amado. Assistir um sorriso tomar conta do seu rosto quando se sente valorizado, quando recebe presentes, quando está agraciado pela companhia das pessoas que admira, é gratificante. Ele gosta tanto de assistir lutas de sumô. Ele aprecia tanto a natureza. Ele estima tanto a filosofia de vida samurai que às vezes chega a ser bobo. Ele é um bobo. Por mais poderoso que seja, politicamente e em sua força, ele é tão frágil quanto qualquer um de nós.


E ambos, Naoe e Yasuke, são muito marcados por uma criança. Junjiro é um garoto de 10 anos já viveu muitas tragédias, mas que mantém a esperança acesa em seus olhos. Ele ama animaizinhos, é um exímio artista e se diverte treinando artesanato. A arte o alimenta, a fantasia o mantém vivo e feliz. A dupla de protagonistas se torna uma figura de admiração pro menino, e eles vivem como uma família de irmãos. Jujiro, para Naoe e Yasuke, se torna um símbolo. O exemplo vivo da esperança humana, a perspectiva de futuro melhor e saudável. Por ele e por outras crianças, pelo futuro, para que eles não vivenciem mais tragédias, eles lutam.


    Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

Eles pensam em Junjiro toda vez que encontram animaizinhos vivendo em suas vidas! Então se aproximam devagar, arranjam papel e tinta, e fazem uma pintura para ele. Pois é, parte da exploração agora montada com a ideia de você encontrar animaiszinhos e criar quadros com eles (no caso é tudo automático, os personagens pintam por si próprios)! Essa adição foi posta em troca da caça, que não está mais presente, assim como algumas outras coisinhas que voltaram em Valhalla e Mirage.


Assassin's Creed Shadows se desfaz de vez do stealth social. Não é mais possível se misturar entre grandes grupos de pessoas ou sentar em bancos para se aproximar de seus alvos ou escapar de guardas. E sendo sincera, nem senti falta. Esse jogo, ao menos com Naoe, volta a priorizar abordagens por stealth. Agora, ao invés de sumirmos em público, em plena luz do dia, nos tornamos um com as sombras.


Para além dos discursos carregados da franquia, o título do jogo remete a uma nova mecânica que parece ter vindo diretamente de Splinter Cell: a luz e sombra são relevantes agora. Se estamos num lugar iluminado, não há muito o que fazer se não ser se esconder. Agora, se estamos no escuro, a detecção dos inimigos a nós é piorada e estamos quase livres. Esse sistema se torna mais interessante pelo quão dinâmico esse jogo é.


A meditação dos jogos anteriores também não está presente, ou seja, não podemos escolher se jogaremos de dia ou noite. O tempo passa e não tem nada que possamos fazer contra isso, apenas nos adaptarmos. Junto a isso, foram inclusos sistemas de clima dinâmico e estações do ano. As chuvas são barulhentas e mitigam o som dos passos, os ventos balançam lâmpadas e manipulam a luz, a neve congela lagos, dificulta a movimentação e gera muito barulho, por aí vai.


    Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

O fator dinâmico do jogo é explorando ainda mais com o seu cenário destrutível. Plantar, arbustos, bambu e mato podem ser cortados pelos ataques realizados por você ou seus inimigos, assim como vento de seu movimento alcança e move os objetos por perto. Isso não seria grande coisa se a movimentação do jogo permanecesse a mesma, mas não é o caso. Agora, além de podermos agachar, Naoe e Yasuke conseguem se arrastar no chão. Diferenças de terreno ou mesmo a profundidade de um lago são influencias gigantescas nas abordagens.


Mas tudo isso acompanha um porém: o design das bases não mudou taaaanto. As abordagens podem ser as mesmas que Assassin's Creed sempre teve e parte dessas mecânica podem ser ignoradas ou passar despercebidas, se você quiser. Sua presença não deixa de ser importante e, quem sabe, com uma dificuldade de stealth mais alta (que pode ser alterada a qualquer momento no menu) e com jogadores mais criativos, elas brilhem. A "graça" dessas adições surge pelo quanto incrementam as possibilidades do jogador se expressar, da forma que for.


A expressão sempre foi parte do que fez os jogos stealth serem o que são, e AC nunca foi muito bom neste gênero. Sua liberdade e expressão estava presente em outro lugar, no parkour. A movimentação avançada presente nos primeiros jogos, sozinha, criou uma comunidade inteira. Existem oceanos de clipes pela internet de jogadores aproveitando tudo o que o parkour foi capaz de oferecer durante a franquia. Para quem se permitia estudar os seus detalhes, era mágico.


Acontece que o parkour foi ficando cada vez mais automático com o passar dos jogos, até que em 2017, morreu de vez. A era de RPGs da franquia optou por um sistema de escalada mais simples. Os personagens não realizavam mais floreios e não precisavam de apoios para as mãos. Eles subiam qualquer coisa. Qualquer Coisa. Essa perda foi uma das maiores dores da comunidade, e desde então, o seu retorno é cobrado.


Assassin's Creed Mirage o fez, e inclusive, chegou a atualizar o sistema após o lançamento. Considerando que ele foi um jogo desenvolvido sob os ossos de Valhalla, foi um retorno mais que competente e que gerou expectativas para Shadows, pois agora, não apenas estamos na época dos Assassinos e Templários de novo, como estamos no Japão, controlando uma ninja.


    Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft
Assassin's Creed Shadows (2025) | Reprodução: Ubisoft

O parkour de Assassin's Creed Shadows é decepcionante, um retrocesso aos passos que Mirage deu. Parte disso é consequência do design do seu mapa, que segue fielmente a arquitetura e geografia japonesa e se compõe de muitos terrenos vazios e cidades espaçadas, mas ainda de uma maneira melhor do que Odyssey e Valhalla fizeram. Naoe é muito veloz, a personagem mais rápida da franquia inteira, ela dá muitas piruletas e suas animações são lindas, mas o parkour em si, simples. O controle é, infelizmente, um tanto próximo ao de Valhalla. Ainda assim, é o melhor que essa era RPG nos deu até o momento.


Mas notem que eu citei apenas a Naoe nisso. A razão? Yasuke não consegue fazer parkour ou escalar espaços mais altos, e eu gosto disso. A filosofia pro design dos personagens é a mesma que Syndicate ofereceu, mas agora ela é real. Naoe e Yasuke são personagens diferentes. Enquanto a ninja é super veloz, ágil em escaladas e bastante frágil no combate. O samurai é lento, pesado, muito resistente a dano e ainda mais poderoso no ataque. O stealth de Yasuke é quase limitado ao arco e flecha, uma vez que seus ataques "furtivos" são muito barulhentos (e chamados de brutais). Yasuke parece feito para os jogadores da era atual de Assassin's Creed que pouco se importavam com a furtividade, que apreciavam mais a brutalidade viking. Ele é a antítese de um protagonista de AC e contra parte do design do mundo, não há muito incentivo a se jogar com ele além da busca por combate, mas na maneira que o jogo o insere, até funciona.


De resto, é um Assassin's Creed moderno mesmo; incluindo as péssimas expressões faciais em suas cenas, e uma quantidade enorme de ponteiros no mapa. Para mim, acho que ele é o melhor deles. Diferente de Valhalla, Shadows não tem nenhuma vergonha do seu passado, mas também não se prende a ele. Ele não tem vergonha de si, e tenta dar passos adiante ao futuro. Bons passos. Assassin's Creed Shadows me deixou feliz, bastante feliz.


Texto editado e revisado por Alexandre Avatics (@Avatics).


Agradecemos gentilmente à Ubisoft Brasil pelo envio de chave para análise de Assassin's Creed Shadows.



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