Não sei vocês, mas eu tenho muito medo da morte. A ansiedade exerce um papel poderoso nos temores, claro, mas as noites silenciosas em que discuto comigo mesma sobre o assunto são angustiantes. Particularmente, acredito que o que há após o fim da vida nada mais é que... nada. Sem tristezas, desejos, dores ou amores. Nada. Um vazio, um silêncio desconhecido e eterno.
Ao mesmo tempo, nada impede que as palavras de Hesíodo ou Alighieri sejam reais, que o Tártaro e Céu realmente existam, ou talvez nós reencarnemos... mas pouco importa. Enquanto vivos, estamos fadados a lidar com o fato que nunca teremos uma resposta para a questão e isso também me deixa angustiada.
Tal sentimento me fez evitar por anos obras que tocavam no tema, mesmo que de forma breve. Encarar meras frases era demais pra mim, qualquer mínima coisa ativava um botão em meu cérebro que me forçava a lidar o medo da morte durante as noites. Não eram frequente, ainda não são, mas cada um desses dias ficou marcado em minha memória.
Thanatos vem atrás de mim de qualquer forma, eu não posso escapar. Só espero que quando morrer eu possa ser enterrada e lembrada com o nome que escolhi.
Ainda me sinto presa a esses pensamentos antigos de vez em quando, admito que o meu medo de encarar qualquer coisa sobre a questão ainda existe. A verdade é que ele cresceu exponencialmente durante a pandemia, mas eu aprendi a lidar melhor com ele, a deixar o desespero de lado e conseguir respirar um pouquinho.
Persona 3 trata sobre a morte, o meu maior medo.
Eu tive medo de Persona 3.
Nunca consegui termina-lo em nenhuma de suas versões por motivos dentro e fora do jogo, mesmo chegando ao seu final várias vezes. P3 é absurdamente relevante dentro de sua franquia por ter cravado em definitivo o que Persona seria nos anos seguintes, mas também marca sua presença dentro da minha vida como um agente. Não carrego muito carinho por esse jogo ou seus sucessores e antecessores, mas não posso negar a sua influência positiva em minha vida.
Persona 3 é uma obra esquisita. Até pouco tempo atrás, sua experiência completa estava distribuída entre três versões diferentes: a original, FES e Portable. Cada uma das três, completamente diferentes entre si. FES é insanamente mais polida que a versão original do jogo, mas carece de muitas qualidades de vida presentes em Portable, feita para o PSP, ao mesmo tempo em que esta última perde em sua narrativa ao remover as cutscenes animadas e um epilogo, enquanto inclui uma campanha alternativa com uma personagem feminina.
Há muito conteúdo excelente espalhado por aí, temos três versões de uma mesma narrativa sobre a morte. Particularmente, eu desejava a vinda de uma quarta versão, uma que unisse os conteúdos, algo definitivo. Em fevereiro de 2024 foi lançado Persona 3 Reload, um remake, uma quarta versão. Eu esperava que essa fosse a tal versão definitiva, mas não é o caso (e ainda bem). Recebemos uma chave do jogo e fiquei responsável pela cobertura, mas devo dizer, jogar P3 Reload foi angustiante. Eu estava, novamente, enfrentando o meu medo.
Esta nova versão nasce num mundo pós Persona 5, ou seja, numa nova Atlus. Persona 3, que definiu a própria franquia, foi remodelado para se assemelhar ao seu filho mais novo. Mecanicamente, é muito mais fácil enxergar raízes vindas do quinto título que de sua versão original, mas isso é ótimo. Persona 3 Reload é muito mais dinâmico e veloz que sua versão original, e para mim, muito mais engajante, mas em troca, toda a estética e atmosfera foi alterada.
Persona 3 nunca esteve tão colorido, nunca esteve tão... vivo.
É verdade que P3 conversa sobre tragédias e desgraça, mas esta não é a prioridade. Sua versão original me ajudou ao demonstrar de todas as formas, o que pode ser viver. Antes de entrarmos no caos e enfrentarmos deus, sempre temos o mundano: vida escolar, amigos, relacionamentos, jogos, trabalho. Antes de ser um épico, Persona é humano.
Reload exacerba ainda mais nesse aspecto com adições e mudanças no sistema de Social Links e ao colorir seu mundo. Observamos durante maior parte do tempo uma vida normal, reconhecível e acessível. Antes de serem heróis ou mártires, os protagonistas são adolescentes, com vontades de adolescentes.
Eles, em meio ao fim, lutam pelos gozos da vida mundana.
Acompanhar mais uma vez a história de Makoto Yuki me faz lembrar da minha própria vida, dos meus amigos, da minha família, de como o tempo jamais retrocede. Me lembra do quão curto é o nosso tempo, me lembra do inevitável, me deixa angustiada assim como sua versão original.
Persona 3 foi desenvolvido e escrito por pessoas, não uma entidade chamada Atlus. Essas pessoas, provavelmente, já tiveram ou tem os mesmos questionamentos que eu, talvez tenham buscado a resposta por muito mais tempo. Assim como eu, devem sentir a angústia da morte, mas graças a isso, conseguem valorizar ainda mais o nosso pouco tempo.
Reload não reúne todo o conteúdo existente de Persona 3, mas refina ao máximo cada aspecto que o faz funcionar. Suas novas cores e dinamismo tornaram esta versão, pra mim, a mais divertida e satisfatória. Parece vestir uma máscara de outro jogo, mas é uma coisa própria.
Este jogo não substitui o passado, pelo contrário, o respeita e renova, como um ciclo. Cresce e se valoriza assim como a vida.
A lua cheia representa o final de um ciclo. A morte é o final de um ciclo. A lua, que terminou o seu ciclo, viveu. A lua viveu. A lua é vida. A lua é linda.
Para Rebecca, minha linda lua cheia.
Agradecemos imensamente à Atlus pelo envio da chave de Persona 3 Reload para produção de conteúdo.
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