Um dos meus planos originais pra esse textinho era tentar desmitificar Panzer Dragoon Saga. É um jogo com uma reputação complicada, no final das contas. Eu podia passar tempo demais tentando explicar o desastre que foi o seu lançamento no ocidente no finalzinho da vida do Sega Saturn, e como isso o tornou uma joia de colecionador doido que ama tratar videogames de uma maneira não lá muito diferente de um especulador imobiliário movido a base do pó. Mas pra quê? Tem muita gente que vai saber contar essa história muito melhor do que eu. Tem chance de você ter clicado no link desse texto justamente por já saber um pouco sobre tudo isso!
Acho que basta dizer que Panzer Dragoon Saga é um videogame. Um ótimo videogame. Lançado em 1998 para o Sega Saturn, desenvolvido pelo Team Andromeda e publicado pela Sega. Você pode dar um jeitinho de jogar ele hoje em dia, se você correr atrás. Se você quiser. Eu recomendaria. Não tem muito mais do que eu possa falar sobre Saga sem conter minha empolgação. Não tem como eu tentar desmitificar ele além disso. Eu tenho o viés de considerar esse um dos maiores épicos dos videogames, uma obra que buscou quebrar as convenções do gênero da época, um blockbuster que tentou transcender muito além do que era esperado de si mesmo, que busca ter um diálogo, mesmo que breve, sobre as raízes do mito e do folclore. De como o mito surge da nossa conexão intrínseca com o mundo natural. De como ele surge das nossas ansiedades e das nossas esperanças como um povo. De como isso pode ser facilmente manipulado por aqueles de tendência maliciosa e potencialmente fascista.
É um jogo sobre como a guerra e o conflito acabam com a nossa história, sobre o horror do poder destrutivo da máquina bélica imperialista, sobre como talvez a solução para todo esse mal seja destruir esse sistema pela raiz, demolindo de vez os monumentos do passado que impedem a humanidade de seguir em frente. Saga é sobre muitas coisas! Tantas coisas que talvez a sua duração relativamente curta não deixe muito espaço para explorar tudo isso tanto quanto o Team Andromeda pretendesse. Mas tudo bem. Isso não é um problema, na verdade é até parte do charme! Eu gosto que esse é um jogo compacto. Um épico compacto. Uma pequena história em um mundinho tão grande e tão misterioso.
O mistério é o que torna o mundo de Panzer Dragoon tão interessante! Pequenas pistas espalhadas pelas ruínas de um mundo morto, livros encontrados na estante de um comerciante bem mais sagaz do que aparenta ser a primeira vista. Tudo isso é tempero pra um mundo vivo. Um sabor raro hoje em dia, com todo RPG AAA se estendendo pra mais de 100 horas de duração. Como um jogo pode estimular sua imaginação se ele não pode se permitir a não preencher cada segundo da sua duração com conteúdo, pra justificar os 400 reais que você pagou nele?
Talvez eu só seja saudosista, cheia de nostalgia por um passado que nem meu foi, mas eu não consigo conter minha paixão por essa era dos videogames, tão ousada, experimental e única, quando videogames podiam só ser! Quando todo joguinho funcionava de maneira um pouquinho diferente. Uma época com tutoriais simples! Em que descobrir o jogo, ao lado de um manual ou não, era parte da coisa. Quando um dos maiores lançamentos na história do gênero tinha sido desenvolvido por um time de jovens apaixonados, com fortes sentimentos de contracultura. Tudo isso só parece tão raro na grande indústria hoje em dia, sabe? Talvez parte do problema seja justamente a grande indústria ter se tornado uma grande indústria, pra começo de conversa.
Tudo isso pra dizer que Panzer Dragoon Saga é simples e que eu gosto disso. Assim como todo outro jogo da série, sua trama é estruturada ao redor de uma perseguição, um conceito simples. Acompanhamos o jovem mercenário Edge buscando vingança contra um grupo de perigosos desertores do cruel império que domina uma boa parte do mundo conhecido. Liderados por Craymen, eles eram a elite de sua máquina militar antes de se rebelarem. Craymen e seus homens mataram todo mundo que Edge conhecia. Eles mataram a sua figura paterna. Edge havia sido deixado pra morrer. Tudo por conta de uma misteriosa jovem encontrada no meio da escavação que o jovem e seus colegas haviam sido contratados pra proteger.
Mas ele é salvo por um dragão. Um emissário dos deuses, ou uma perigosa criatura herética? Depende de quem você perguntar! Mas ele é a chave pra Edge conseguir as respostas que deseja e a cabeça de Craymen em uma bandeja. Os dois formam uma conexão psíquica, um elo único. Edge e o dragão agora são inseparáveis. Você vai passar a maior parte desse jogo nas suas costas, voando pelos lindos cenários alienígenas que compõem o mundo de Saga. O alicerce do jogo está aqui, introduzido praticamente de primeira.
É uma experiência quase meditativa. Você vai voar ao lado de pacíficas criaturas aladas. Vai salvar filhotes de vermes da areia de redemoinhos no meio do deserto. Vai enfrentar perigosos monstros anciões. Uma maneira de expandir a interação com o mundo além dos jogos anteriores da série, que como rail-shooters tinham certas limitações. Não me entenda mal! São ótimos rail-shooters. Jogos que eu amo! Mas o interessantíssimo mundo criado para a série ficava como plano de fundo. Lindas e místicas paisagens cortadas por combates desesperados contra o Império e apenas isso. As excelentes cutscenes davam um contexto maior para os eventos, mas eram curtas e esparsas. Saga faz um ótimo trabalho em recontextualizar os eventos dos dois primeiros jogos, sem roubar deles do misticismo que os tornam tão intrigantes. Sem explanar demais os mistérios construídos até então, dando espaço para a sua imaginação.
Mas como traduzir um rail-shooter para um RPG, sem roubar da série a sua identidade? Como manter Saga não apenas esteticamente coeso com os jogos anteriores, mas mas também coerente em sua jogabilidade? Você explorar e interagir com o mundo nas costas do seu dragão é apenas parte disso, e uma das coisas mais engajantes desse joguinho acaba sendo o seu combate! É um sistema único, que não poderia ser removido de Panzer Dragoon sem a precisão cirúrgica de um bisturi. Seu dragão é capaz de circular os inimigos, desviando de seus ataques e procurando a melhor oportunidade para contra-atacar. Ele é capaz de assumir formas diferentes também, te dando a chance de se especializar para situações específicas! Tudo acaba se baseando no posicionamento e na economia de ações, onde explorar o ponto fraco do inimigo se torna um pequeno puzzle, um muito legal! Às vezes um tanto que fácil, mas nunca chato. Quase nunca chato, na verdade.
Eventualmente Saga tropeça um pouco no seu balanceamento. Desvendar alguns dos mistérios desse mundo traz recompensas bem poderosas, e ainda por cima ele adora te encher de itens de cura que são um tanto que generosos demais com os seus pontos de vida. Na reta final, Saga se torna fácil demais. Mais fácil do que deveria ser. Você não precisa se preocupar tanto com o seu posicionamento, com os seus recursos ou com que forma o dragão deveria assumir naquele momento contra aquele inimigo! Eu não queria que isso afetasse tanto minha experiência, mas eu tenho que ser honesta. Essa costuma ser uma das críticas mais comuns de se ver contra Saga e eu queria defender esse joguinho com unhas e dentes! Eu queria ser do contra! Infelizmente não é caso, mas tudo bem. Deus me livre ser azeda o suficiente pra tacar o lindo final desse jogo no lixo só pelo chefe final ter sido um tanto que broxa.
Nenhum desses problemas roubam de Saga a sua mágica. Eu amo esse mundinho tão belamente renderizado pelos gráficos crocantes do Sega Saturn. Eu adoro o senso único de exploração desse joguinho, e apesar de tudo, eu também gosto do combate, e muito! É uma experiência tão única e tão gostosa. É um dos motivos de eu ter me apaixonado por essa era dos videogames. É um dos motivos por eu ter me tornado tão nostálgica por um passado que eu nunca vivenciei. Um passado com RPGs ousados de alto orçamento que tinham apenas 20 horas de duração!
Eu não gosto muito da ideia de um cânone, principalmente para videogames. Acho que é um meio artístico com experiências tão variadas e únicas entre si, tão fundamentalmente interconectadas com a tecnologia e o mercado de sua época, que se limitar ao conceito se torna redundante. O que é influente pra alguns pode não ser pra outros. O que não se conecta com alguns pode se conectar com vários. Eu posso ter minhas sensibilidades pessoais, mas falar com tanta certeza o que tem valor nessa mídia já acho meio complicado. Sou covarde demais pra isso! Mas não vou mentir, fico um tanto que triste o quanto que esse tipo de discussão raramente sai do óbvio. Parece que a gente só olha o obscuro e o velho com um certo fascínio distante, sem nunca realmente ter a disposição de engajar com eles, muitos jogos como Saga acabam ficando apenas no mito e um dia morrerão lá.
A emulação do Sega Saturn ainda bebe CPU demais, mas hoje em dia é melhor do que jamais foi. Não vai rodar no seu celular, mas talvez rode no seu PC. Se for um desses PCs com luzes maneiras, nem precisa se preocupar! Se você tem o RetroArch instalado, metade do trabalho já está feito. Não vou meter o louco aqui e dizer que emulação é a coisa mais acessível do mundo, mas hoje em dia é difícil encontrar um console da quinta geração pra trás que não dê pra se dar um jeitinho. E vale a pena!
Eu acho que respeitar o passado é importante. Dar uma chance pra ele. Desmitificar ele. Sair da sua zona de conforto. Foi assim que eu descobri tanta coisa nova, tanta arte que hoje em dia eu amo. E eu acredito que muita gente possa ter uma experiência parecida! E não precisa ser com Saga. Pode ser qualquer coisa que te interesse! Qualquer coisa que seja acessível pra você. Não precisa emular o Sega Saturn se você não quiser! Não precisa! Dar espaço pra esse tipo de experiência pode ser bom. Pode ser um pouquinho de ar fresco. Talvez você se apaixone por algo que você nunca teria contato de outra forma.
Não pra dizer pra você não jogar Saga! Eu escrevi esse texto em parte justamente pela chance de alguém, uma ou duas pessoas talvez, se empolgarem com a ideia de jogar ele. Saga merece mais reconhecimento. Uma reputação melhor do que apenas um jogo misterioso e inacessível. A própria Sega em si não vai de dar ao esforço de tacar um pouco de luz nele. Se eu acredito que respeitar nosso passado é importante, a indústria pensa bem diferente. E isso não vai mudar tão cedo.
Eu amo Panzer Dragoon Saga, eu amo videogames! Acredito, do fundo do meu coração, que videogames não deviam morrer. Nós não podemos deixar eles morrerem.
Pirateiem jogos velhos, sem peso no coração!
Texto editado e revisado por Maya Souza (@ShinMayanese).
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