Oportunidades perdidas, planos esquecidos, desejos ocultos... Faça uma lista do que quer fazer.
Nota do Editor: O texto a seguir contém spoilers de Like a Dragon: Infinite Wealth e de outros títulos da franquia Like a Dragon.
INTRODUÇÃO
Yakuza: Like A Dragon (ou Yakuza 7) foi algo bastante único, um jogo que, por conta de um vídeo de primeiro de abril, mudou totalmente seu combate durante os últimos seis meses de desenvolvimento, servindo como uma introdução para a nova era da série e também como uma “reintrodução” de uma das mentes por trás da série, Ryosuke Horii, que, a partir desse momento, ficaria na linha de frente junto de Masayoshi Yokoyama.
Fomos apresentados a Kasuga Ichiban de forma muito mais detalhada do que seu “protagonismo” no jogo de cartas mobile da série permitia. Junto disso tudo, tivemos o último impulso necessário para a Ryu Ga Gotoku Studios ser reconhecida mundialmente como basicamente a segunda face da SEGA, além de ter dado passe livre para o estúdio tentar novamente com um orçamento maior (algo que eles só fizeram com o primeiro jogo deles).
E cá estamos com Like A Dragon 8: Infinite Wealth, que aproveitou esse impulso dos últimos anos para fazer coisas como colocar o Ichiban pelado para aparecer mundialmente em um dos maiores eventos do Xbox. O jogo, que inicialmente me deu uma falta de esperança por puxarem de volta Kazuma Kiryu para o protagonismo, acabou se tornando um dos meus mais aguardados conforme o time se abria cada vez mais sobre o projeto. O making off lançado após o remaster do Ishin teve boa parte da responsabilidade nisso, e cá estamos.
The Man Who Erased His Name (que tem texto aqui sobre) preparou o terreno de maneira interessante, falando sobre símbolos e sua força, para que Infinite Wealth trouxesse toda uma discussão sobre o que é entrar na sociedade, a cultura atual das redes sociais e também uma bela mensagem sobre lidar com a morte perante uma doença terminal, e como o título deixa claro, de um jeito bem criativo e até mesmo no Havaí. E para surpresa de ninguém, é um jogo que me deixou com bastante coisa para falar, então vamos lá.
PASSANDO O BASTÃO DE YAKUZA 7 PARA YAKUZA 8
Like A Dragon 8: Infinite Wealth pega o que Yakuza 7 trouxe como forma de continuar a história (e que o Gaiden se aprofundou) ao mostrar o “E depois?”, agora com os dois maiores clãs da yakuza acabados. Mais de 5 mil pessoas foram deixadas soltas sem rumo e com o desafio de lidar com a burocracia japonesa, que tem uma lei específica sobre ex-yakuzas não poderem trabalhar, ter um celular, ter um convênio médico e entre outras coisas durante um tempo de “só” cinco anos.
Kasuga Ichiban, dedicado a continuar o sonho do seu pai, faz da missão de vida ajudar esses ex-yakuzas a voltarem à sociedade, arranjando todo tipo de trabalho e tentando dar uma vida digna a eles ao mesmo tempo que mantém contato com os amigos que fez durante o seu primeiro jogo. Só que tudo dá errado quando uma vtuber (SIM, ISSO MESMO QUE VOCÊ LEU) acaba divulgando vídeos incriminadores de Ichiban, seus amigos e os yakuzas que ele ajudou, deixando todo mundo desempregado. Nisso, o nosso protagonista acaba entrando em contato de novo com o clã Seiryuu e Jo Sawashiro, seu antigo capitão que conta que a mãe de Ichiban está viva e morando no Havai, querendo entrar em contato há anos só que as circunstâncias não eram as melhores. Ichiban aproveitando o desemprego, vai.
Ele arranja briga, cai em um golpe, não acha a mãe no endereço, acorda pelado na praia, vai preso e é salvo por Kazuma Kiryu que, a mando da Daidoji, vai para lá procurar também a mesma pessoa, só que com o detalhe que o Dragão de Dojima está com câncer e apenas com 6 meses de vida restante e decide ajudar Ichiban, mesmo que isso traga a morte mais cedo. Infinite Wealth agora é um RPG de turno desde o começo, com tudo ficando mais complexo (não que seja difícil considerando como o 7 é), só que para entender o jogo de verdade é preciso primeiro entender o seu diretor: Ryosuke Horii.
RYOSUKE HORII, O CARINHA DO KARAOKE
Horii é alguém que participa da série desde antes do segundo jogo ter entrado em desenvolvimento, sendo contratado a mão pelo próprio Toshihiro Nagoshi (criador da série e ex-cabeça criativa do estúdio) após uma amostra de karaoke e sua coleção de 10 Sega Saturns.
Ganhando destaque por meio de pequenas participações no conteúdo secundário no 2, Horii conseguiu mais presença durante o desenvolvimento de Kenzan e no terceiro jogo principal tinha moral o suficiente para criar o minigame de karaoke, apesar da SEGA ser contrária à ideia. Ele conseguiu rapidamente virar o principal responsável pelo lado secundário do jogo e para qualquer um é bem claro o quão importante é esse lado para a série, é basicamente a mistura final para deixá-la tão única.
Horii desde sempre era um dos favoritos para assumir a série e foi algo que só não aconteceu tão cedo por conta de um câncer durante o desenvolvimento de Yakuza 6: The Song of Life, só que ele venceu e voltou pós o Kiwami 2, ganhando passe livre para fazer o que quiser com o sétimo jogo principal da série enquanto Nagoshi fazia seu projeto de “despedida” com Judgment. Uma coisa importante para entender dos jogos do Horii é seu estilo, que é muito mais extrovertido no sentido de usar muito mais descaradamente suas referências e pensar em como adaptá-las para o que está fazendo no momento.
Yakuza 7 é o exemplo mais fácil de colocar isso na prática, além do jogo literalmente colocar Ichiban para falar que ele se imagina em Dragon Quest antes de começar a lutar, os tropos também são considerados no contexto. O que seria ser um level 1 na sociedade contemporânea? Não necessariamente no sentido de “superioridade”, mas sim de “o que seria ser alguém que começa sem benefício nenhum para viver em sociedade?” Bem, provavelmente algo como um morador de rua ou uma minoria e é exatamente isso que acontece.
Like a Dragon todo é montado para contar a história de união das minorias até elas chegarem no topo, não é à toa que Ichiban (que tem como tradução de nome: o número um, no sentido competitivo mesmo) é o dragão que veio do lixo. Indo mais a fundo nisso, o mago que você teria em qualquer RPG medieval é um mendigo que como bola de fogo solta arroto bêbado com um isqueiro, que usa chamar pombo como magia e um dos debuffs que ele pode dar é pedir esmola. É absurdo como as secundárias deixaram Horii famoso, um olhar bem maneiro de como aplicar o molde de suas referências no que o contexto da obra dele pede, ao mesmo tempo que não atrapalha o tom do que ele quer contar.
Isso tudo sem contar as missões secundárias, que entram cada vez mais na campanha principal ao ponto que deixa parte do desenvolvimento de personagens atrelado totalmente a elas para mostrar o quão fundamental para zerar os jogos de fato elas são. Fora que esse absurdismo permite os jogos a fazerem coisas que eles só conseguiam nos de PSP já que eles têm animação tradicional e o estilo de Nagoshi é muito mais “pé no chão”, puxando muito dos filmes de nomes como Takeshi Kitano e Kinji Fukusaku. Não é à toa que o Ishin no seu remaster trouxe o que era exclusivo de um minigame para a campanha principal (as cartas com poderes e inimigos gigantes).
Horii ainda tem bastante para mostrar do seu estilo, com 4 jogos que têm a sua supervisão total e o Infinite Wealth deixa bem claro o potencial da sua ideia, mas antes de entrar nele de fato vamos a uma rápida introdução que fará mais sentido quando falarmos de Infinite Wealth.
KUROHYOU 2: Ryu ga Gotoku Ashura Hen
Kurohyou 2: Ryu ga Gotoku Ashura Hen se passa pouco tempo depois do primeiro jogo. Ukyo Tatsuya, com seus 20 anos, agora é um lutador de boxe fazendo certo sucesso nos Estados Unidos e prestes a iniciar uma carreira de fato. Só que as coisas acabam dando uma virada após uma breve volta a Kamurocho, onde ele descobre que a arena que mudou todo o caráter dele, o Dragon Heat, agora está em problemas por conta de uma conspiração entre a yakuza e uma gangue de Sotenbori, os Asuras. Tatsuya se une com Rysuho Kuki, o filho do cara que fez ele de galinha dos ovos de ouro no primeiro jogo, e um grupo de jovens lutadores para proteger o único lugar que eles podem chamar de lar, entrando em um torneio que mudaria constantemente entre as duas cidades onde Tatsuya seria a carta principal contra 10 lutadores que a Asura poderia contratar. Mas ao mesmo tempo eles descobrem muito mais do que o esperado.
Kurohyou 2 é um jogo lendário para a série, não só por conta de ter "Born To Be Wild" do Shounan no Kaze como tema, mas assim como o Ishin e Kenzan ele teve uma fama enorme de ser um dos melhores da série ao mesmo tempo que era inacessível por conta de não ter sido lançado fora do Japão. Felizmente, ele teve uma tradução junto do primeiro jogo, que foi justamente o que me levou a escrever sobre a série. O que me levou a não escrever sobre a sequência logo depois é que Kurohyou 2 é um tipo específico de como fazer uma, trazendo melhorias para algo que já era muito bom que você mal imagina que teria como melhorar e acompanhado de uma grandiosidade tremenda, que nesse caso não foi fazer o PSP queimar mas sim trocar o molde de jogo portátil que o primeiro segue pelo mesmo que você vê nos consoles.
Seja no conteúdo secundário quanto na campanha, o objetivo é transformar Kurohyou em algo próximo a Yakuza 2, 4 e por aí vai, o que não é um problema. É algo bem divertido de ver e deixa a reta final surpreendente, mas acaba sendo uma das coisas que deixa o jogo com pouca coisa para se falar sobre, já que a intenção também é fazer Kurohyou 2 ser muito mais sobre o quão legal é o elenco que você enfrenta e a conspiração. O foco, nessa sequência, fica muito menos na implicação de um jovem adulto que foi um adolescente problemático como o Tatsuya encontrar um lugar em que ele se sinta parte , o que não dá muito material, fora o óbvio que é o elenco de chefes ser realmente muito divertido e a conspiração terminar com você batendo em milicianos por uma hora.
Kurohyou 2 é um jogo “grandioso” com muita coisa boa nele e que me decepcionou um pouco por conta de como o 1 é um dos meus favoritos, justamente por tudo nele ser dedicado a desenvolver a ideia de como a violência sistemática afeta a vida das pessoas, e é exatamente essa a relação que eu quero fazer com Infinite Wealth, mas antes:
PROBLEMAS NO PARAÍSO
Sabe uma coisa que não só afeta o Infinite Wealth mas também tudo da SEGA? O modelo atual dela de vendas, seja nesses “pacotes” de versões do jogo ou só o modelo de DLC. Algo que começou só como uma complicação para comprar roupinha terminou em algo que além de tirar conteúdo do jogo (a dungeon especial de Soul Hackers 2, o terceiro estilo de luta de Lost Judgment, a homenagem a Shin Megami Tensei Nocturne em Shin Megami Tensei V e por aí vai) aumentou a precificação do jogo e do que já era vendido como DLC antes.
Quer um exemplo pessoal? Faço questão de comprar sempre nos jogos da Ryu Ga Gotoku Studios o traje do Kiryu quando não é um projeto relacionado diretamente à saga dele. Hokuto Ga Gotoku? Peguei por 20 reais junto do jogo. Remaster do Ishin? Também. Binary Domain? Versão da Steam tirou elas e fico triste toda vez que lembro disso. Infinite Wealth? Bom, até gostaria se atualmente não estivesse 80 reais. O preço dos jogos em si? Todos na Steam tiveram uma aumentada no preço de até 170%, os que eram vendidos no padrão “antigo” entre 150 a 250 todos também subiram para 300 reais e acima, o que mesmo a SEGA mantendo a política de fazer ótimas promoções e frequentes ainda não faz o problema desaparecer. E Infinite Wealth talvez seja o exemplo perfeito disso por ser onde é mais absurdo e só uma olhada profunda deixa explícito o nível.
O padrão da SEGA nessas DLCs é fazer um pacote básico com facilitadores, seja da moeda do jogo, itens, o que tiver que ajude a facilitar a experiência eles vendem ou vem junto só de você comprar o jogo para ficar mais caro. E separado não é um único pacote e sim vários, mas não tinham uma diferença específica na ajuda, só era uma ajuda boa para iniciar. É basicamente se eles vendessem uma DLC que o Filipe Ramos faz o quadro do canal dele “Começando bem” no seu save antes de você sequer abrir o jogo. Agora no caso do Infinite Wealth? Você tem essa ajuda sendo vendida em níveis e quanto maior, mais caro e eles fazem isso DOZE VEZES COM UMA EXTRA GERAL DE 42,90 REAIS. Se você comprar só as maiores, você gasta exatamente 300 reais, ou seja, você compra o jogo de novo.
Mas até aí você pode achar que é coisa que dá para ignorar. Achou errado otário. Você tem dois jobs por 26 reais e não só uma dungeon extra que serve basicamente como um “episódio de praia” mostrando o elenco todo do jogo aproveitando o Hawaii e se metendo em umas 15 confusões em conjunto enquanto fazem a dungeon como também o new game plus é ligado nela, então algo que você tem acesso desde o primeiro jogo da série é pago por conta de algo que Yakuza 5, por exemplo, fez de graça (o sistema de pedidos da Haruka que tinha nos 3 primeiros jogos da série voltando em um “E se?” que libera depois de zerar fora alguns modos extras no coliseu). Ou seja, você paga duas vezes por algo que já era oferecido antes gratuitamente (os jobs têm como equivalente os estilos secretos que você libera em Yakuza 0) e caro ainda, os dois juntos dão 131 reais (sim, a dungeon extra com o new game mais são 100 reais).
A versão base do jogo atualmente é 350 reais, a deluxe que vem com algumas 424, a ultimate com todas é 550 e se você pegar a base e comprar todas as DLCs separadas você gasta 1,197,1 reais. É o mesmo papo com Sonic, Shin Megami Tensei, Super Monkey Ball, Total War e por aí vai. Infinite Wealth você paga não só em coisa que nunca precisou pagar mas como também mais caro em coisa que era justamente para ser barata para te convencer a comprar.
A SEGA anda em uma fase ótima (tirando toda a questão dos funcionários sendo despedidos e tendo jogos cancelados), Shin Megami Tensei pegou um gás absurdo (apesar dos fãs alternarem sempre entre querer destruir a Atlus e querer ela na cama com um vinho), Sonic Frontiers recuperou a esperança de todo mundo, Yakuza em uma das suas melhores fases e vários clássicos voltando e até SHIN SAKURA TAISEN GANHANDO UMA POSSÍVEL SEQUÊNCIA. Só que os jogos sofrem de jeito óbvio, conteúdo secundário interessante ou recompensas legais são tirados unicamente para serem vendidos. Persona 5 Tatica por exemplo foi anunciado para uma semana depois vir anúncio de DLC de dois membros e uma storyline. E adivinha? 100 reais. É algo danoso para a experiência como um todo, que duvido que renda tanto assim e tira boa parte da moral, ao ponto que até o dublador americano do Kiryu, Yong Yea que é famoso por também fazer vídeo reclamando de coisa do tipo, no lançamento do Infinite Wealth deixou claro o seu desgosto com a prática e foi mais um no mar das críticas que o jogo recebeu no lançamento.
Claro, a solução real é que nenhum jogo deveria custar 300 reais, mas como não vivemos nesse mundo só espero mesmo que a SEGA volte atrás nas suas práticas por causa que nem um fã de longa data dos estúdios que ela tem como eu consegue manter com as práticas atuais. É só absurdo demais e Infinite Wealth só não foi pior por causa que abandonaram a ideia das DLCs de ajuda serem de uso único por save (excluindo new game plus) que eles trouxeram no remaster do Ishin. Mas enfim, pelo menos o jogo é maneirão.
E detalhe, esse texto foi feito antes de sair coisa tipo o novo "padrão" que eles querem seguir e iniciaram com Persona 3 Reload. O relançamento de *Shin Megami Tensei 5 já está tendo coisa do tipo e se fosse para reescrever esse topico falando disso daria uma materia inteiramente dedicada ao tema.
PARAÍSO NO ESTILO HAVAIANO
Infinite Wealth é o "primeiro" grande RPG da Ryu Ga Gotoku Studios, pensado de maneira muito mais aprofundada, sendo também o primeiro da série a se passar em um país que não seja o Japão (apesar de ⅓ da população do Havaí ser japonesa, o jogo se aproveita disso para facilitar as coisas) e ele manda muito bem nisso. Os jogos sempre tiveram certa fama de serem simuladores de turismo, afinal, você sempre visita algumas cidades durante dezembro e mesmo com o quão dramáticas as coisas ficam, há sempre uma apreciação pelos locais onde os eventos acontecem. Você conhece a cultura local, visita lugares reais muito legais e bate em qualquer um que queira arranjar briga no meio do caminho - turismo perfeito.
Até a representação histórica eles mandam bem, considerando o zero nos anos 80 e os jogos no período feudal. Era óbvio que isso ficaria legal, mas o que me surpreendeu de fato é o quão dedicado Infinite Wealth é nesses dois aspectos, seja em te fazer ir literalmente a uma empresa de turismo e ver algumas atrações para ganhar novos jobs e conhecer de fato a vida no Havaí no processo (entrando até nas questões de moradores de rua e o quão caro é o aluguel no geral em território norte-americano ou as coisas em geral, o que é refletido diretamente na jogabilidade) ou em como o jogo é um RPG muito decente.
Yakuza 7 é basicamente um Dragon Quest muito simplificado, onde você tem tudo que precisa para trazer a experiência de um, só que nada é polido o suficiente e alguns sistemas nem dialogam entre si muito bem, como toda a questão de postura (que você só nota as diferenças depois de 80 horas) e posicionamento (que você não controla no 7). Já Infinite Wealth, tudo é natural; por exemplo, o mini Pokémon (chamado de Sujimon) do jogo faz parte das batalhas normais que acontecem enquanto explora, e conforme você avança na liga, libera mais coisas para o combate normal. Tudo que você faz envolvendo a party vai servindo para deixá-la mais útil, e o jogo mais complexo, considerando que cada decisão agora pode fazer você triplicar o dano se bem elaborada, e o posicionamento podendo ser alterado só deixou tudo mais divertido.
Resumindo, Infinite Wealth é basicamente o que acontece quando você pega Blue Hawaii (sim, o filme com o Elvis Presley), que é basicamente uma propaganda de turismo de duas horas com umas decisões esquisitas, e joga uma mistura de tudo que você encontra em um RPG de turno japonês. Não decepciona nem um pouco nisso, só que não é só isso que explica o quão divertido é jogar Infinite Wealth.
EXPLORANDO A JOGABILIDADE
Como dito anteriormente, Yakuza 7 adota a forma de Dragon Quest ao mesmo tempo que adapta o molde da série para ela de maneira interessante. O cenário, que é parte integral dos jogos de ação, permite que você use dele ou o que estiver nele para seu benefício, e o mesmo vale para quem está lutando contra você.
Os especiais que você pode fazer, estilos de luta e outras coisas são algo difícil de se adaptar para um combate de turno, mas conseguiram fazer bem. Por exemplo, uma bicicleta, quando você realiza um ataque básico e está na frente dela, se torna um ataque segurando uma bicicleta; certos lugares liberam os mesmos especiais que você podia fazer e alguns jobs são do mesmo estilo que você poderia usar. Yakuza 7 faz isso de maneira eficiente, mas não ideal. Tomando a bicicleta como exemplo novamente, era algo permitido apenas para o Ichiban em certos jobs, com poucos itens podendo ter o mesmo efeito e muito pouco incentivado devido à sua raridade e à falta de controle de movimento. Os especiais? Boa sorte em tentar fazer mais de um durante as 70 horas de jogo.
Todavia, Infinite Wealth resolve isso logo no seu tutorial, permitindo que o jogador controle sua party livremente em um espaço de movimentação determinado, com todos possuindo o mesmo set básico de habilidades (todos podem usar itens pelo cenário, todos recuperam um pouco de vida ao usar ataques básicos, etc.) e um novo balanceamento que permite muito mais experimentação com os sistemas de jobs.
Agora, você pode upar dois ao mesmo tempo, de maneira muito mais fácil e sem razão para não tentar focar no que faz cada um único e montar a party pensando nisso ao invés de deixar todos iguais (como o 7 incentivava). O combate com os ataques focados em timing tornou a janela muito mais desafiadora, incentivando muito mais o engajamento no combate. Os inimigos são bem mais interessantes, considerando que agora você tem que levar em conta todos os sistemas de bônus do combate, o cenário em volta, no que eles são fracos e a postura atual, e no geral não há nada que não entre em harmonia com o combate.
Até as missões secundárias, que agora são liberadas através de áreas em vez de desenvolvimento na campanha, são um bom exemplo disso. Vamos usar o lutador profissional que chamaram dessa vez para participar do jogo como exemplo. Asakura é um youtuber focado em lutas de rua; ele basicamente grava ele mesmo batendo nos outros e ganha dinheiro assim. Ele cria uma certa rixa com o Ichiban e no Havaí você pode lutar com ele em uma área cheia de inimigos com o nível que você estaria supostamente no meio do jogo. Se arriscar ir lá e vencer Asakura, você libera golpes novos e uma promessa de revanche e segue assim, só que o jogo acompanha esse detalhe e a área fica com nível maior para te mostrar qual será o próximo nível dele. E esses golpes não são pouca coisa, além de ser uma adição ótima para o moveset do Ichiban, eles são alguns dos mais úteis do jogo inteiro e servem para te mostrar que o conteúdo secundário importa.
Infinite Wealth já tenta mostrar isso com as conversas aleatórias pelas 3 cidades que você pode visitar, em que cada ponto sempre terá um personagem falando algo interessante, como o fato do Nanba ser fã de Super Sentai, mecha e mangá de delinquente, e isso também ajuda no combate, já que quanto mais próximo da party, mais benefícios são liberados e serão essenciais no combate.
O caso de Asakura mostra que não é só andar por aí, mas sim engajar no jogo como um todo. Já que mencionamos os Sujimon mais cedo, sabiam que você pode usá-los como mão de obra no minigame inspirado em Animal Crossing? A Dondoko Island transforma o Ichiban em um organizador dentro de um hotel ilha lutando contra piratas, fazendo descarte de lixo ilegal e convencendo pessoas a ficar lá. Conforme você avança, é liberada uma segunda ilha que serve como maneira de farmar recursos, sejam monetários ou úteis para combate, e a eficiência disso depende justamente dos seus Sujimons e da sua eficiência como organizador. Conforme você faz mais missões secundárias, você libera mais possíveis clientes e mais summons para ajudar no combate e até sujimons, o que acaba fazendo todos os sistemas do jogo se interligarem.
Até o "pseudo-facebook" do jogo, que serve teoricamente só para mostrar que metade dos NPCs tem rotina própria, está conectado com tudo. Ao explorar o mapa, você encontra eles; ao fazer coisas como cantar no karaokê, você fica mais próximo deles, e até lutando isso ocorre. É um dos jogos mais bem pensados que conheço nesse sentido, e o setting do Havaí casa perfeitamente com essa proposta, justamente por ser algo novo. Você não vai ignorar nada da primeira vez, e todo lugar que você parar terá algo interessante, nem que seja uma pessoa para fazer amizade no Facebook. É finalmente a Ryu Ga Gotoku Studios fazendo um RPG grande "de verdade". Quem é fã do gênero não terá nada para reclamar desse aqui nesse sentido. Infinite Wealth faz as 80 horas passarem voando e tem mais algumas coisas que ajudam nisso. Mas antes de continuar, é bom falar do que me incomodou no jogo, mesmo que tenha sido bem pouco.
O QUE ME INCOMODOU EM INFINITE WEALTH
Eu não sou um dos maiores fãs de Yakuza: Like a Dragon. Gosto dos personagens, acho divertido de jogar, a intenção da mensagem é legal e tudo mais, mas ele nem de longe é um jogo que me marcou muito e nem entraria no meu top 10 favoritos da série. Ter que introduzir Yokohama e seus habitantes, o estilo novo todo para a série e contar uma história impactante com o Ichiban era uma tarefa bem difícil e Judgment conseguiu fazer bem isso justamente pela experiência que Toshihiro Nagoshi tinha.
Então, o que eu esperava do 8 era que, com esses problemas resolvidos, Horii conseguiria fazer algo que me conectasse com o Ichiban, acreditando nessa visão otimista do mesmo jeito que respeito o que Kiryu pensa.
Infinite Wealth trazer o Havaí, uma party nova, quatro organizações e o protagonista antigo de volta talvez tenha sido uma redflag bem clara que não era isso que eles iriam fazer, mas tinha esperança ainda. Principalmente por Yakuza 0 ter conseguido me fazer ligar bastante para as duas campanhas, mesmo com a parte do Majima sendo claramente o destaque.
E é justamente aí que entra Kurohyou 2, afinal Yakuza 7 não é tão diferente assim do 1. Like a Dragon tem um foco enorme em falar sobre minorias, as dificuldades que elas enfrentam e alguém tentando alcançar o “topo” mesmo vindo de baixo. O jogo todo carrega essa ideia e mesmo com todas as preocupações dele isso nunca some de verdade, o que também rola com Kurohyou 1 mas com bem menos preocupações no lado do Tatsuya.
Já Infinite Wealth abre com a discussão sobre o que é entrar na sociedade: é arranjar um emprego? Agir conforme o esperado? O problema que essas perguntas ignoram e que o jogo faz questão de te lembrar é que isso não é tão conceitual, visto que existem pessoas que ativamente são contra grupos de indivíduos fazendo parte delas, seja lá por qual motivo, e esses grupos são influentes por justamente formarem a sociedade.
Não é um velho de 65 anos não querendo que alguém que já tenha cumprido pena arranje um emprego digno, é o governo se beneficiando disso e a mídia também. São instituições pagas para promover o preconceito contra minorias e com representantes gigantes. Não é simples assim fazer parte da sociedade. Até mesmo quando você não é alvo direto desses grupos é muito difícil fazer parte dela.
Ichiban tenta de qualquer jeito arranjar brechas para fazer esses grupos conseguirem entrar na sociedade tendo em vista que, quando você não faz parte dela, nem garantia a atendimento médico você tem. E isso é algo que te compra muito fácil, a abertura do jogo é linda mostrando Ichiban ajudando de verdade um ex-Yakuza implorando por ajuda, até pulo no esgoto como ato genuíno de simpatia tem.
Logo depois o jogo te mostra uma discussão muito boa e que no Brasil é ainda mais forte quando consideramos casos como o da Choquei. Ichiban, Nanba, Adachi e todo mundo que o protagonista ajudou tem a sua vida destruída não por causa de um cancelamento mas por causa de informação manipulada usada para gerar engajamento rápido. Uma vtuber focada em compartilhar fofoca mostra o que seria Ichiban comandando um esquema de roubo e mesmo que nada tenha sido provado ele é assediado por grupos de youtubers de opinião que querem só esse engajamento fácil e até pessoas que não trabalham com criação de conteúdo aproveitam o pulo no alvo. Ninguém se importa com a verdade, o objetivo é ir pulando no assunto do momento e aproveitar tudo que dá disso e o Ichiban é uma das vítimas e a gente sente isso até na gameplay (é meio hilário que no momento que você é demitido é liberado as mecânicas de mendigo que o jogo anterior tinha).
E de novo, é uma discussão boa, ver como a internet fez tudo ser um mar de engajamento rápido e o quão danoso isso pode ser para as pessoas que são vítimas de ataques de atenção indesejada. Só que o que Infinite Wealth faz com isso? Joga fora para introduzir o Sindicato Yamai, a Barracuda, a máfia chinesa do Havaí e uma seita maluca junto de cada antagonista pelo bem do espetáculo.
SOBRE O DESENVOLVIMENTO NARRATIVO
A campanha do Ichiban é 70% do jogo e nela você tem dois capítulos discutindo o problema da internet que acabei de citar. O foco todo vai para apresentar esses grupos e tudo de um jeito muito brusco. Nem o Yamai, líder de um grupo de yakuzas estabelecidos no Havaí – que poderia ser o exemplo perfeito para mostrar o que é ser alguém que não conseguiu fazer parte da sociedade por ela o rejeitar e então abraça os excluídos e forma uma sociedade – é explorado nesse sentido (apesar que ele ainda é o melhor personagem do jogo).
Isso me lembra muito como Kurohyou 2 deixa de lado a ideia de mostrar adolescentes tentando seguir seus próprios sonhos para achar um lugar em que eles se sintam parte, para mostrar a Ashura e todos os lutadores que conseguiram arranjar para fazer parte do torneio. E os dois exemplos têm o exato mesmo detalhe: apesar da premissa de cada figura ser maneira, poucos são realmente personagens bacanas de fato, a grande maioria só existe, apesar que sempre vou adorar o Infinite Wealth por me deixar bater em um conservador obcecado com a cultura estadunidense.
Yakuza 8 sofre ainda mais nisso pelo seu formato. Ainda que Kurohyou 2 consegue criar situações interessantes em todo capítulo para te deixar no pique durante o jogo todo, mesmo que o oponente não faça nada tão interessante quanto os do jogo anterior, Infinite Wealth sofre tendo em vista que os grupos citados (Sindicato Yamai, Barracuda, máfia chinesa, seita maluca) e a figura principal de cada um deles são a única coisa que você vai ter durante a parte inteira do Ichiban. Nem um exploramento direito de como cada grupo funciona temos, com exceção do Yamai, só que, o que salva essa questão é que a party do Ichiban tem ótimos personagens e a dinâmica do grupo todo te deixa bem à vontade de acompanhar.
Eric Tomizawa com todo o seu passado trágico e o jeito que ele lida com a vida e como Ichiban consegue fazer ele pela primeira vez dar um passo para frente é um arco introdutório muito bom que salva a metade do arca da Barracuda de ser só você batendo em um grupo genérico que tem como diferencial ter o Danny Trejo de líder; Chitose Fujinomiya e o mistério por trás da atitude dela, o jeito de lidar com o trope da femme fatale e a conclusão do arco dela é ótimo; Koichi Adachi continua sendo um dos melhores personagens da série; Joongi Han, mesmo tendo sido adicionado de último minuto por demanda de fã, consegue ter toda uma nova faceta que deixou ele mais legal ainda e Kazuma Kiryu, bem... deixemos para aprofundar na parte dele.
Infinite Wealth pode ficar por pelo menos umas 20 horas preso em uma situação específica que não faz nada muito interessante, nem mesmo com o Ichiban, e acaba repetindo essa situação de novo no final com algo que poderia muito bem ser só um capítulo. Todavia, a dinâmica entre os personagens não deixa o jogo cansativo e temos o Yamai, que além de ser o melhor personagem do jogo, ter um ótimo dublador (o Takehito Koyasu que fez o Dio de JoJo's, Shinsuke de Gintama e o Zato de Guilty Gear) e um tema muito maneiro de ouvir, consegue fazer o sindicato inteiro dele ser interessante e ter momentos bem únicos de gameplay.
O meu problema vem justamente do fato de que eu esperava mais quanto a isso, tendo em vista que o herói de Yokohama pode facilmente carregar um jogo todo focado nele e em qualquer coisa que queiram falar sobre, e não precisava mesmo puxar o Kiryu para resolver o que ele ficou devendo. É uma campanha que, fora do começo e dos personagens, parece vazia e que se salva somente pelo quão divertido o jogo é.
Mais uma vez, em termos de comparação, Kurohyou 2 consegue se salvar por escolhas espertas, por exemplo, o jogo vai levemente construindo um discurso contra seguir o que os outros esperam de você a fim de que você decida por si mesmo, e usa de suas “falhas” para isso de modo que no final, quando chega o plot twist, tudo faz sentido e o saldo sai bem positivo. Só que, em Infinite Wealth, quando o Ichiban deve alguma coisa que não seja uma experiência divertida, a Ryu Ga Gotoku Studios decide usar o Kiryu para abordar alguma coisa de fato e não só isso, como talvez de um dos jeitos mais interessantes que eu vi.
RETORNO AO REMETENTE
Kazuma Kiryu, o Dragão da família Dojima que desde a adolescência conseguia fazer o submundo do crime inteiro tremer, está com câncer terminal. O personagem que junto do jogador enfrentou mais de 100 pessoas ao mesmo tempo como se fosse o próprio chefão da sequência em questão, que nem seus iguais ou aqueles que teriam uma chance de derrotar ele conseguiram, precisa de ajuda. O personagem que tem como uma das principais características se isolar de todos e assumir tudo sozinho por medo de machucar os outros ao ponto que a sua primeira cena no primeiro jogo é justamente fazendo isso, precisa de ajuda. E como a Ryu Ga Gotoku coloca isso em ação? Kiryu é o personagem com os maiores status do jogo inteiro, o com menos desvantagens e mais resistência, mas mesmo assim, ele precisa de uma party para vencer e nessa simples decisão eles acabam criando uma das dinâmicas mais interessantes da série.
Em Yakuza 0, vemos como era a dinâmica do dragão com Akira Nishikiyama, o seu “irmão”. Ele era um dos únicos que Kiryu conseguia se sentir confortável o suficiente para agir casualmente, até mesmo lutando. Os dois faziam de tudo juntos e tinham confiança total um pelo outro, com Judgment Shinpan sendo um dueto que fala sobre o relacionamento desses dois jovens yakuzas de 20 anos dispostos a enfrentar o mundo inteiro juntos, e é muito divertido de se experienciar. Até em lutas aleatórias quando se está andando junto com Nishiki, dá para ver a química entre eles se provando uma das mais fortes da série inteira.
Então, quando Kiryu decide “expulsar” o irmão dos eventos do jogo para poupar a vida dele temos uma das cenas mais destruidoras que os video games conseguiram fazer até agora e uma que te faz quebrar a sua casa inteira quando os dois finalmente se unem de volta e decidem resolver as coisas como irmãos.
Kasuga Ichiban é dublado pelo Kazuhiro Nakaya, o dublador de Nishiki, e a Ryu ga Gotoku Studios abusa disso para criar uma dinâmica parecida. Ichiban é alguém que conquista qualquer um pelo seu carisma e otimismo, nem mesmo os antagonistas dele conseguem ter um ódio total contra ele e a maioria vira amigo pouco tempo depois.
Ichiban pode não ser tão forte fisicamente, mas o que faz ele único é justamente o quão forte seu carisma é ao ponto que ele conseguiria derrotar qualquer um se estiver com seus amigos, e Kiryu enxerga bem isso, o que ele não percebe é que Ichiban é também um dos únicos que consegue colocar ele na mesma posição de conforto que alguém como o Nishiki conseguia e uma vida toda se passou até alguém que sobreviva consiga fazer isso. Mesmo que tenham vários personagens como o Majima, que Kiryu confiou durante a sua vida, Ichiban consegue ter o algo a mais que Nishiki trazia.
Então, depois de uma vida toda, Judgment Shinpan volta. Mesmo com a morte batendo em sua porta, o dragão está disposto a enfrentar o mundo todo junto do herói de Yokohama. Até agora isso é algo que os trailers mostraram como proposta, o que eu não esperava é como usariam isso para iniciar a campanha de Kiryu e desenvolver ele e o jogo como um todo a partir disso.
Depois de tudo ter dado errado e a saúde do dragão ter piorado em um momento crucial, os Daidojis decidem mandar ele de volta para o Japão pelo bem da missão e, pela primeira vez, Kiryu deposita confiança em alguém para algo que ele preferia morrer fazendo, apertando a mão de Ichiban com tudo antes de partir e mostrando que agora, o herói de Yokohama conseguiu fazer algo que o irmão da lenda só conseguiu fazer obrigando ele. Durante 40 horas vemos Kiryu de modo mais passivo, sendo uma ajuda que está passando pelos seus problemas de modo fechado, só que depois desse aperto de mão, não só Kiryu se abre mas como o jogo também.
Kiryu vai para Yokohama com Nanba, que usa sua experiência de enfermeiro para tentar fazer o dragão procurar tratamento. Seong Hui, a rainha do submundo da cidade, aparece e decide ajudar nisso, e Saeko aproveita para tirar uma folga e ajudar Kiryu. O capítulo 8, "Return to Sender" (sim, é o nome da música do Elvis Presley) ou "Rewrite" (sim, a música do Kung Fu Generation que é a quarta abertura do anime original de Fullmetal Alchemist), tem como única proposta fazer Kiryu curtir um dia sem pensar em muita coisa fora o que ele gostaria de fazer, uma lista de pendências praticamente.
E nisso conhecemos a party com Kiryu: Seong Hui, que foi apresentada no 7 como uma mulher forte o suficiente para ficar com a responsabilidade inteira de gerenciar Yokohama, mostrou todo um lado mais tranquilo e age como uma adolescente que não sabe reagir ao “crush”, dando oi toda vez que Kiryu fala com ela, o que deu em uma das dinâmicas mais legais de acompanhar; Saeko tem todo o seu arco de querer ser uma mulher livre em um mundo que obriga ela a seguir um padrão ao mesmo tempo que é uma ótima companhia para animar o dragão; Nanba se mostra um ótimo enfermeiro que quer ajudar de verdade Kiryu e descobrimos mais sobre como é a vida de um ex mendigo, e Zhao aparece só porque ele é legal.
É uma equipe inteira de suporte que vai fazer de tudo para não deixar a lenda na mão e fazer ele aceitar o tratamento, mesmo que seja só para aumentar a vida dele em alguns dias, e isso chega no seu clímax quando Kiryu decide cantar karaokê durante uma noite inteira, uma cena que é o pay off da carreira inteira do Horii. Esses elementos secundários todos que foram usados para ajudar a dar mais vida para o jogo agora são usados para revitalizar Kiryu, e o karaokê que fez o diretor ter seu emprego agora é o destaque de uma cena que coloca na prática o que esse grupo estava tentando fazer com Kiryu.
Mas estou me adiantando, o importante é saber que a campanha do Kiryu é um colosso em questão de qualidade.
O LEGADO DO DRAGÃO DE DOJIMA
Além de muito boa e criativa, os problemas que falei na campanha do Ichiban são resolvidos aqui e o que era bom só melhora. Toda a questão de entrar na sociedade realmente é abandonada e só tem alguns vestígios para falar sobre como algumas pessoas querem ajudar e outras não, mas as da rede social? Isso deixa de ser um elemento pequeno e vira algo que afeta demais, com Kiryu estando vivo virando um rumor (é como se o "Michael Jackson está vivo" surgisse só em 2020) e um exército de youtubers de comentário correndo para garantir que esse rumor virasse realidade.
O assédio fica maior, o elenco do Ichiban que não tinha sido tão desenvolvido começa a brilhar, o Yamai fica ainda melhor e o jogo começa a fazer muitas coisas mais criativas. É como se esse aperto de mão tivesse sido o que libera tudo que o jogo tem de surpreendente e cria até uma balança, Ichiban abandona os temas e Kiryu obriga o jogador a refletir com ele sobre esses últimos anos de jornada, sobre a vida e ver o quão bom o time da Ryu Ga Gotoku Studios é quando o assunto é escrever personagens.
Seja em Yokohama ou Kamurocho, percebemos nas cenas que se passam no Japão todo um cuidado para que em cada rua você pense ou conheça algo a mais sobre os jogos. Conhecendo o trabalho de Horii e o que ele disse no making of sobre esse ser um jogo que ele realmente queria fazer do jeito dele, você entende de onde vem essa força.
Takaya Kuroda aproveita e mostra que ele é um dos melhores dubladores da atualidade, dando provavelmente a sua melhor performance como Kiryu e colocando toda a sua experiência de vida de alguém que sofre com problemas de saúde graves como base da performance e do próprio jogo. É dito que tudo que envolve o Kiryu é discutido inicialmente com o Kuroda então eu não duvido que a campanha toda tenha envolvimento direto dele.
O capítulo 8 mostra tudo que o jogo tem de melhor e tem até "Baka Darou", a sequência de "Bakamitai", como a cereja do bolo. Claro, todos os capítulos do Kiryu são interessantes e seguem basicamente o mesmo molde do 5 (vários momentos dedicados a entrar a fundo nos personagens, na situação da vida deles e como tudo acaba lidando com o que é discutido) e às vezes fazem coisas até mais surpreendentes, mas o 8 merece uma seção dedicada justamente por mostrar o que o jogo está disposto a fazer com uma voadora.
Para vocês terem noção, até a coreografia que durante o começo estava bem no padrão da série acaba recebendo momentos dignos de entrar nos tops dos mais memoráveis depois da campanha do Kiryu começar, com a luta do Jo Sawashiro em específico mostrando Kiryu finalmente lutando para valer de novo enquanto "Brutality", uma versão do “mal” do seu tema do 7, toca e dá uma sequência de ação ainda melhor do que a que ele teve no original.
Até aí nada demais, o jogo que era sólido ficou melhor. Inicialmente iria até fazer uma brincadeira de falar sobre "Infinite Wealth" e "Persona 3 Reload" ao mesmo tempo, por ambos serem os primeiros jogos de suas respectivas séries usando um orçamento alto depois de uma onda muito forte de popularidade e qualidade e também pelos dois falarem sobre aproveitar a vida enquanto se passam em um ambiente paradisíaco (com Yakuza 8 sendo numa praia e Persona 3 em uma cidade portuária ao lado de uma praia). Só que, como disse, o jogo ainda tinha mais surpresas e o que o capítulo 8 apresentou ia ficar ainda melhor, não por apresentar coisas novas, mas por usar em sua concepção uma das artes chamada videogame. "Infinite Wealth", quando te coloca no lugar de Kazuma Kiryu, vira videogame puro.
O POTENCIAL DO VIDEOGAME COMO STORYTELLING
Yakuza é algo que toda vez que comento aqui falo bastante sobre como usam a mídia ao seu máximo nos seus melhores momentos: Kurohyou para te fazer se sentir incompleto ou livre conforme a discussão sobre violência acontece, Ishin te posicionando em um cenário político complexo e te fazendo sentir ao máximo o peso da responsabilidade de poder mudar o rumo de um país inteiro e The Man Who Erased His Name com a solidão e te fazendo rasgar a camisa por causa de um discurso. É uma das especialidades do estúdio e algo que colocaria no mesmo nível do que algo como Metal Gear Solid 2 conseguiria fazer, e Infinite Wealth decide fazer disso uma constância através da lista de pendências: o conteúdo secundário de Kiryu.
Toda rua de Yokohama e Kamurocho está repleta de memórias, sejam nossas, do jogador, ou as de Kiryu, que lembra de coisas que passamos juntos em todos os jogos. É um exercício de pensar conforme cada passo dado, e isso acaba levando até os spin-offs juntos. Até mesmo Dead Souls, o jogo de zumbi do PlayStation 3, é mencionado e usado para nos fazer pensar sobre a vida de Kiryu e o que nós deixamos na vida.
Amigos, situações esquisitas, lutas, comidas, tudo que ajuda a formar o indivíduo de cada um é usado como gameplay e faz até mesmo o nosso protagonista evoluir. Conforme Kiryu repensa a sua vida, ele reencontra a força que faz dele o dragão imbatível do clã Tojo. Um novo moveset é liberado, buffs passivos acionados a cada turno começam a aparecer e a transição de Kiryu para combate de turno passa a ser de uma ideia muito boa para uma genial.
Claro, isso é um caso meio raro, com Raidou Kuzunoha e Dante (from Devil May Cry Series) sendo os dois únicos exemplos mais famosos que consigo puxar de cabeça, mas jogar com Kiryu a partir do momento que ele libera a habilidade de quebrar a HUD e o combate de turno e transformar em um beat 'em up onde ele destrói qualquer um em segundos é algo sem igual e que adapta perfeitamente a sensação de todos os jogos em que ele é jogável. E isso é só um bônus de engajar de verdade com o que o jogo quer passar, o que me surpreende já que deve ter com toda certeza pessoas que não estavam dispostas a gastar umas 10 horas vendo esse conteúdo secundário de Kiryu, que acabou virando o meu favorito na mídia de jogos como um todo e olha que a concorrência não é fácil.
Quando Kiryu reencontra Date no cemitério, onde metade de sua família está enterrada, ele propõe quebrar as regras da Daidoji, se escondendo e colocando o dragão novamente em contato com algumas pessoas importantes de sua vida. Seus filhos, seus amigos, sua ex, seu antigo chefe, todos ganham destaque e uma chance de refletir sobre como impactamos a vida de todos que conhecemos, mesmo sem perceber.
Também temos uma das conclusões mais bonitas possíveis para uma amizade que começou logo no primeiro jogo. É simplesmente muito bonito e traz, como sobremesa, mais missões secundárias pela cidade com a mesma ideia, só que de maneira única. Chega ao ponto de termos até uma última sessão de treino com o mestre de Kiryu, Sotaro Komaki, e toda uma conversa entre os dois sobre como cada um está orgulhoso do outro. É algo que exige ter jogado mais de 20 jogos para funcionar de verdade, mas compensa justamente por ter feito parte desse mundo por tanto tempo.
Infinite Wealth se preocupa muito com o modo de contar esse último olhar na vida de Kiryu e ter escolhido fazer isso de um jeito que só os videogames conseguem mostrar muito bem que eles sabiam o que estavam fazendo e que respeitam a mídia como arte, como forma de contar uma história. Eles se tornaram verdadeiros mestres nisso e me deixam ansioso para ver o que mais conseguem fazer no futuro, seja os membros que permaneceram na Ryu ga Gotoku Studios ou aqueles que foram para a Nagoshi Studios.
No entanto, e se eu te disser que esse método de usar o conteúdo secundário não é nem de longe o melhor exemplo do que esse jogo faz com a mídia? Na verdade, o melhor vem de algo que eles ainda não dominam completamente. A partir de agora, alguns spoilers do capítulo 12 em diante de Infinite Wealth, mas mantendo o esquema de contar apenas o suficiente para passar o ponto.
NOVAS FERIDAS, ALIADOS ANTIGOS
A ajuda de Daigo Dojima, Taiga Saejima e Goro Majima se faz necessária. Os três pilares do Tojo se exilaram e viraram pescadores em uma parte remota do Japão. Depois de anos, finalmente se reencontram com Kiryu, sem precisar usar as máscaras que os Daidoji pedem. Esse reencontro é deprimente. Junto com o câncer, é descoberto que o plano de Daigo de criar uma empresa de segurança com os ex-membros do Tojo e da aliança Omi deu errado devido a assédio e denúncias falsas no YouTube. Após terem destruído a chance de milhares de pessoas de retornarem à sociedade, os três não se sentem dignos de nada e apenas pedem um momento para aproveitar com seu amigo próximo à morte. Mas Kiryu nega, chamando-os de covardes, e vai embora.
Daigo, o rapaz que Kiryu viu sair de uma criança mimada querendo ser tratada como igual e virando um homem que conseguiu guiar com orgulho mais de 10 mil homens, agora está com medo até de sair. Saejima, que enfrentou a morte contra 18 homens sem medo nenhum pelo bem de seu clã e outros, que estava disposto até a ser preso por mais 5 anos, ficando 30 anos na cadeia para honrar sua palavra, o único que não é um dragão equiparável em força a Kiryu, não conseguia fazer mais nada além de pescar. E Majima, o homem que era chamado de cachorro louco, que fazia o que bem entendesse e fez de tudo pelo bem daqueles que ele se importava e, depois de anos de servidão, jurou nunca mais abaixar a cabeça, estava ressentido.
Esses três homens, que conseguiram fazer mais do que Kiryu jamais conseguiria fazer, perderam a força de vontade para agir, e Kiryu, que está a 5 meses de sua morte, é o único que tem coragem de fazer algo. É tudo tão deprimente, e quando o dragão sai, os três se sentindo ofendidos decidem apostar na sua única chance de derrotá-lo e fazerem ficar mais um tempo juntos.
O triângulo impenetrável do Tojo contra o seu dragão, junto de um grupo novo de amigos. A luta começa, de maneira melancólica, mas mantendo a fagulha do quão épica é a situação. E agora as coisas começam a ficar interessantes. Os três têm a mesma lista de movimentos que Kiryu, ou seja, golpes dos jogos anteriores e especiais que vêm diretamente deles, uma dinâmica de movimento muito maior e modos únicos representados por eles invocando a própria tatuagem.
Eles são resistentes, têm um nível alto e é a luta mais bem balanceada do jogo. Não chega a mostrar o desafio absurdo que seria igual no 7, mas serve ao seu propósito. Chega um ponto que os três aproveitam a falta de fôlego do Kiryu e atacam com tudo. O dragão consegue esquivar da primeira avançada, mas na segunda quem ajuda é sua party, que está realmente disposta a tudo para ajudá-lo, independente do oponente. Depois que Kiryu recupera o fôlego, a luta começa para valer.
E agora, quero propor um exercício. Pensem no momento mais absurdo em termos de usar a linguagem dos videogames de maneira única que vocês consigam imaginar em um RPG. Aqui mesmo já comentei sobre como The 25th Ward tem uma sessão de turno dedicada a mostrar a evolução da loucura de um personagem, e a de outro lutando contra a própria depressão. Temos Undertale usando tudo ao seu redor, Earthbound em seus três jogos fazendo algo único, os jogos da Atlus, Square Enix e da Falcom utilizando os turnos para criar algo cinematográfico. Existem dezenas de exemplos de como o combate por turno de um RPG pode ser usado para algo único; é um método totalmente válido de narrativa que ainda guarda muito o que mostrar.
O que a Ryu Ga Gotoku Studios faz, no entanto, é pegar toda a sua experiência com lutas contra chefes e como cada uma serve como uma narrativa própria, através da jogabilidade que se complementa com o resto do jogo, e utiliza o que conseguiram fazer de maneira impressionante no final do 7 com Ichiban parando de enxergar tudo como Dragon Quest por um momento para ter uma luta séria, e eleva isso. Se Kazuma Kiryu, nos momentos em que a sua força voltava, conseguia quebrar o RPG de turno, agora lutando contra três das pessoas em quem mais confiava, ele consegue criar um dos, se não o melhor momento usando o estilo como forma de narrativa acontecer.
Quando a vida de cada um chega próxima do fim, eles ativam um especial e aparece para o jogador a opção de fazer o mesmo. Então, os dois socam o chão ao mesmo tempo, as tatuagens surgem e de repente o jogo todo quebra, e Kiryu e quem ele estava atacando aparecem em um espaço diferente, repleto das memórias que tivemos com esse personagem. Então, uma luta no molde antigo acontece, enquanto um tema que eles já tiveram começa a tocar. Essa briga é o jeito deles de se apoiarem em uma situação que eles não têm coragem de fazer o que querem. O espírito de Kiryu volta com tudo depois dessa, e a esperança dele é fazer esses três lembrarem por que eles eram as pessoas em quem o dragão de Dojima mais acreditava.
A melancolia do momento é toda quebrada para uma breve troca sincera, que de um jeito literal só aqueles dois personagens conseguem entender. Depois desse momento, o jogo poderia fazer qualquer coisa que ele não iria deixar de ser um 10 para mim. Isso é videogame em seu estado mais puro, o poder de fazer parte e interagir em um mundo e quebrar as lógicas por trás deles para contar uma história que conclui com Kiryu falando que finalmente, depois de 50 anos, vê valor na sua vida e parte para resolver de vez o passado violento que ele abandonou.
Infinite Wealth termina com uma luta entre uma vítima cheia de ódio e alguém implorando por desculpas, tentando assumir todos os pecados de algo que ele poderia ter transformado em um lugar melhor se assumisse a responsabilidade que o dragão em suas costas trazia. E para chegar a essa vítima, Kiryu precisa subir novamente a torre em que ele travou tantas lutas. Para isso, até os três pilares do Tojo aparecem, tornando-se uma party temporária em um dos momentos mais especiais da série inteira.
A luta final não deixa a desejar, com Kiryu usando toda a força que lhe resta para simplesmente pedir desculpas pelo legado violento que mais de milhares de criminosos deixaram e pedindo para que não odeie todos eles, pois a grande maioria é apenas uma vítima, assim como o chefe final.
E quando tudo isso é contado usando o mesmo método de maneira que não deixa a peteca cair, não há como sair decepcionado, mesmo com seus pontos fracos. Infinite Wealth ainda faz questão de terminar em uma nota positiva, com as pessoas apoiando umas às outras mesmo sendo excluídas da sociedade.
Isso mostra também que vale a pena lutar pela vida, mesmo diante de uma doença terminal. Kiryu se livrou do peso que tanto o atormentava e agora está disposto a lutar contra a morte, enquanto Kasuga Ichiban mostra que sua fé nas pessoas e a crença de que todos podem ter uma vida feliz são mais fortes do que qualquer coisa. E é exatamente esse tipo de coisa que me faz ficar atento a tudo que esses caras fizerem.
Texto editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano).
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