Revelado ao público em 2023, I Am Your Beast conquistou os fãs de jogos de FPS logo de cara pela sua identidade frenética e visual fora do padrão.
O thriller militar nos coloca na pele de Alphonse Harding, um ex-agente secreto que agora é alvo de ações clandestinas em meio às selvas da América do Norte, nos desafiando a virar o jogo usando táticas e o próprio equipamento dos inimigos contra eles.
E para entender melhor como foi o processo de desenvolvimento de I Am Your Beast, convidamos o level designer Kevin Ribeiro para um papo sobre a criação dos cenários que tornam essa experiência de sobrevivência e combate tão imersiva e desafiadora.
Na entrevista, Kevin compartilhou com o GDH suas inspirações por trás do jogo, os desafios de construir um ambiente que mistura ação furtiva e exploração, e o processo de criar uma atmosfera intensa onde cada movimento pode ser decisivo. Confira nossa entrevista a seguir.
Kevin, nós estamos muito felizes com essa entrevista! Pra gente começar, você poderia nos dizer como foi o processo para fazer parte do time da Strange Scaffold? Tiveram desafios por você estar no Brasil?
Kevin: Então, a vida é uma caixinha de surpresas, né? Eu estudava na Fatec, em São José dos Campos, e lá tinha uma galera que começou a se reunir para fazer uns projetinhos na Unity, estudar Unreal, game design em geral.
Foi nessa comunidade que conheci o Cassiano, que entrou em contato com o Xalavier Nelson (CEO da Strange Scaffold). Eles começaram a trocar ideias e, eventualmente, o Cassiano acabou sendo chamado para trabalhar na Strange Scaffold.
Depois de um tempo, ele me contou que estava trabalhando em um novo projeto — que acabou sendo o El Paso, Elsewhere — e estava precisando de alguém para ajudar no level design. Na época, o level designer anterior, que também era da Fatec, precisou sair por motivos de saúde. Foi aí que ele me perguntou se eu queria entrar.
Eu tinha alguma experiência com Unity e Unreal, mas só em projetos pequenos com os colegas, nada muito grande. Aí veio a pandemia, problemas familiares, e eu fiquei sem emprego. Então, meu colega disse: "Olha, posso te dar uma força pra entrar na Strange Scaffold". Era algo bem improvável. Mas aí pensei, "Por que não?". Eu não tinha experiência como level designer e fazia um tempo que não mexia na Unity, mas topei conversar. Então, ele me marcou uma entrevista com o Nelson.
Quando fiz o teste, descobri que meu notebook não rodava o El Paso, Elsewhere. Eu estava com o último dinheirinho no banco, então meu amigo sugeriu: "Compra um PC novo. Eu consigo um processador e uma placa-mãe velhos pra você, e o resto fica por sua conta." Peguei meus últimos R$3 mil, juntei com o que ele tinha, montamos o PC, e consegui rodar o projeto.
Mesmo sem muita experiência, comecei a estudar feito louco, buscando informações nos FAQ da Unity e bombardeando meu amigo com perguntas. Entrei para trabalhar no El Paso Nightmare, um prólogo de Halloween. E, ironicamente, eu nem curto jogo de terror! Tive que fazer uma "speedrun" pra entender como esses jogos funcionam. Depois disso, continuei no Elsewhere e, desde então, fui ganhando mais espaço na Strange Scaffold.
Bom, adentrando agora no I Am Your Beast, eu gostaria de já perguntar, tanto como estúdio quanto como level designer: quais você acredita que foram os maiores desafios no desenvolvimento do jogo?
Kevin: Então, não sei se vocês já perceberam, mas a Strange Scaffold lança muito jogo. O desenvolvimento do I Am Your Beast, desde que entrei até o lançamento, durou cerca de sete meses. Lembro que o jogo acabou sendo adiado por um mês; inicialmente ele ia lançar em agosto, mas só saiu no final de setembro, ou um pouco antes. Isso aconteceu porque não estávamos totalmente preparados para o ritmo frenético desse projeto, além da quantidade de polimento que ele exigia.
Diferente de El Paso, que, apesar de suas complexidades, é um jogo direto — você anda, atira, para o tempo, etc. — o I Am Your Beast foca bastante na experiência do jogador. Tínhamos que garantir que o jogador conseguisse se mover rapidamente e reagir a tudo o que acontecesse de forma instantânea. As mecânicas precisavam estar impecáveis: você joga a arma, ela volta, a arma do inimigo vem para a sua mão, tudo tinha que funcionar sem erro.
Nós também adicionamos várias coisas durante o desenvolvimento que se tornaram novos desafios. Por exemplo, tem algumas fases específicas no I Am Your Beast que funcionam como um modo horda. Nelas, deixamos de considerar o tempo e focamos em como o jogador enfrenta e derrota os inimigos. Esse modo horda, no entanto, começamos a desenvolver meio em cima da hora, nos últimos dois meses, que deveriam ser destinados ao polimento.
Tanto que, quase chegando no lançamento, tivemos que adiar, e eu até comentei numa reunião: “Gente, por mim, eu teria descartado o modo horda, porque ele não tem muito a ver com o jogo principal.” Naquele momento, ainda faltava polir muita coisa, e eu pensei que poderia não agradar. Mas acabou acontecendo o oposto — os jogadores amaram o modo horda! Foi engraçado, no fim das contas.
Mas quanto as dificuldades, acho que, basicamente, as maiores giraram em torno de fazer o desenvolvimento caber no tempo que tínhamos. Parece que estou falando isso como algo negativo, mas, na verdade, esse projeto foi muito bem planejado. É engraçado, sabe? Sempre que começamos um projeto na Strange Scaffold, discutimos os prazos, o lançamento, e a primeira coisa que eu e os outros designers pensamos é: “Impossível, não vai dar.”
Lembro, por exemplo, quando estávamos desenvolvendo o El Paso Elsewhere. Eu estava conversando com meu colega, o Cassiano — que no estúdio tem o nome secreto de Bonickhausen — e comentamos: “Ah, o jogo deve ter umas 12, no máximo 20 fases, né?” Aí, na primeira reunião sobre isso, o Nelson, nosso chefe, chega e diz: “Vamos fazer 50 fases.” Eu mandei mensagem na DM, com gritos, berros, gifs de desespero, porque pensei: “Não vamos ter tempo pra fazer isso.” E o engraçado é que, de alguma forma, acaba dando certo.
Já que você mencionou a dinâmica do estúdio, poderia dizer pra gente como é um pouco da rotina na Strange Scaffold?
Kevin: Então, o Strange Scaffold é um estúdio muito interessante. Mesmo com minha experiência ainda sendo pouca — é o primeiro estúdio em que estou trabalhando — posso dizer que recomendaria a todos os desenvolvedores de jogos experimentarem um estúdio como o Strange Scaffold em algum momento. E não digo isso pra puxar saco, mas porque realmente é uma experiência única.
Algo que fica claro é a prioridade que o estúdio dá para quem está trabalhando no jogo. Tipo, tem crunch? Tem, mas é bem controlado. Por exemplo, em El Paso Elsewhere, no último mês antes do lançamento, tivemos que aumentar um pouco as horas. Mas, do meu lado, foi tranquilo e nada desconfortável, até porque a gente já está acostumado a trabalhar em ritmo intenso. Então, trabalhar um pouco a mais foi bem administrado e sem grandes problemas.
Como eu disse anteriormente, nós precisamos adiar em um mês o lançamento do jogo. Mas isso foi interessante, porque a decisão de adiar foi algo que discutimos juntos, entre a equipe e o Nelson. Poderíamos ter optado por um "crunch" para acelerar e resolver várias pendências, mas preferimos seguir por outro caminho. O jogo foi lançado pela Strange Scaffold, com o apoio da Frosty Pop, que atualmente também está cuidando do port para iOS. O Nelson entrou em contato com a Frost Pop, explicou que precisávamos de mais tempo e, após algumas conversas, conseguimos o aval e o orçamento para o adiamento.
No dia a dia do estúdio, por exemplo, temos nossas reuniões ajustadas conforme o fuso horário de cada um, já que a equipe é bem diversa. Eu sou brasileiro, mas temos o Dan, que é o programador do jogo e mora no Reino Unido, o que dá uma diferença de quatro horas. Temos também colegas da Rússia, então é sempre uma questão de organizar as reuniões conforme a disponibilidade de todos.
No estúdio, se alguém não está bem, não existe essa dúvida de "será que eu vou ter que trabalhar mesmo assim?". Se precisamos faltar ou adiar uma reunião por um compromisso, como uma consulta médica, é só avisar o produtor ou o Nelson. Ou remarcamos a reunião para outro dia, ou, se ela acontece no horário marcado, depois fazemos um acompanhamento separado com a pessoa que não pôde participar.
Vocês são mais ou menos quantas pessoas no estúdio?
Kevin: No estúdio, a única pessoa fixa é o Nelson. Cada projeto recebe uma equipe separada, contratada especificamente para aquele trabalho, o que explica como o estúdio consegue lançar vários jogos em um ano. Por exemplo, o I Am Your Beast foi lançado recentemente, e um mês antes lançaram o Clickolding, que teve apenas dois meses de desenvolvimento. Uns três meses antes dele, lançaram Life Eater, um simulador de sequestro, e três meses antes disso, ou um pouco mais, foi a vez do El Paso Elsewhere. Parece que foi há muito tempo, mas El Paso Elsewhere completou um ano só agora, tipo, faz uma semana.
No nosso estúdio, dividimos as horas semanais para cada membro da equipe que vai trabalhar no projeto. Sempre rola uma negociação, onde buscamos o que é melhor para a gente e para o orçamento. Assim, formamos pequenas células de trabalho, equipes separadas para cada projeto. A Strange Scaffold, por exemplo, é o estúdio com mais projetos em andamento atualmente, e ainda tem outros jogos a caminho, alguns nem anunciados ainda. Esse é o segredo para a velocidade: temos vários projetos acontecendo ao mesmo tempo com equipes diferentes.
Quando falamos da parte criativa, o Nelson (CEO) também atua como diretor criativo dos projetos. Mesmo assim, esses projetos não são 100% criação dele, são extremamente colaborativos. No desenvolvimento de El Paso Elsewhere, por exemplo, começamos com um roteiro completo, mas ele foi transformado em um esqueleto no início. Fizemos brainstorms intensos, trocando ideias e criando pitches para cada fase e sua sequência. A partir desse pitch inicial, Nelson reescreveu o roteiro com todos os diálogos. A estrutura do jogo foi definida em colaboração entre o Nelson, a equipe de level design e outras áreas que participaram das reuniões e do processo de brainstorming.
No estúdio, somos incentivados a expor nossas ideias, sem medo de “ideia ruim”. É assim que surgiram jogos como Clickolding e Life Eater. Já com I Am Your Beast, começamos com o roteiro completo desde o início, mas tivemos liberdade total para desenvolver as fases como quiséssemos, desde que seguíssemos a linha principal do roteiro. Uma característica interessante do roteiro é que ele foi pensado para não impactar demais na gameplay. Um exemplo disso é uma parte em que o personagem se machuca, e então entra a mecânica de sangramento – ele começa a perder vida continuamente durante a fase.
Aproveitando que estamos falando sobre o level design, a gente sabe que I Am Your Beast é dinâmico, veloz e recompensa o jogador por eficiência. Quais são as particularidades em criar fases para um jogo feito para ser tão rápido? Vocês pensaram na época que seria um jogo para speedrun?
Kevin: Uma coisa muito bacana da Strange Scaffold é o contato que a gente tem com a comunidade de speedrunners. I Am Your Beast, por exemplo, é um jogo que funciona muito bem para esse público. Temos conversas frequentes com eles, e alguns dos desenvolvedores têm um contato próximo com esse nicho.
Sobre o I Am Your Beast, o gameplay foi se moldando com o tempo. Quando entrei no projeto, o jogo já estava em desenvolvimento há um tempo e tinha até sido cancelado duas vezes antes de chegar nessa versão atual. No começo, a ideia era que o jogo fosse mais stealth.
Quando eu e o Jim Brown, que também é level designer, entramos no projeto, começamos a testar as mecânicas e a montar fases mock-up. Logo percebemos que o jogo poderia funcionar bem no estilo Batman Arkham, com muitas possibilidades de exploração, como cavernas, e mecânicas para o jogador correr, deslizar e se esconder de inimigos.
Durante o planejamento, surgiram várias dúvidas: “Será que isso vai funcionar mesmo?” Pensamos em adicionar armadilhas, como as de urso e claymores que explodem quando o inimigo pisa. Quando testamos essas mecânicas e combinamos com elementos de movimentação, como escalar árvores e paredes, vimos que dava para criar um level design interessante, com foco na verticalidade.
O jogador começa em um ponto alto, de onde consegue ter uma visão completa do mapa, e daí pode abordar a fase da maneira que preferir. A gente usava muito o termo "sandbox" para descrever essas fases, que são feitas para oferecer liberdade e experimentação ao jogador, permitindo que ele explore as mecânicas e jogue do jeito que quiser. Inicialmente, pensamos assim: “Começa como stealth, mas se o jogador for descoberto, vira um jogo de ação, com tiroteio e tudo mais.” Ficamos nessa ideia de fazer um jogo stealth por cerca de dois meses.
As primeiras fases que finalizamos foram pensadas para o jogador não ser visto. Mas, conforme avançávamos e discutíamos o projeto, começamos a perceber que talvez o jogo não fosse para ser stealth. Vou confessar: no começo, eu estava meio cético sobre o resultado final. Lembro de olhar para o projeto e pensar: “Será que esse jogo vai ser realmente legal?”. É engraçado lembrar disso agora, mas com o tempo, em nossas reuniões, fomos revisando e ajustando as fases já feitas, além de criar novas e testar a gameplay que o nosso programador, Dan, desenvolveu.
Uma coisa curiosa aconteceu: durante as reuniões para testar as fases, alguém sempre ficava jogando a fase em silêncio enquanto a gente discutia, e logo começávamos a ouvir reações de surpresa e entusiasmo. Lembro que o RJ Lake, nosso produtor musical, comentou: “Gente, não sei se vocês notaram, mas estamos fazendo um jogo muito bom. Esse jogo está muito divertido.” Foi aí que o projeto começou a se guiar naturalmente para um foco mais na ação.
Também começamos a nos inspirar em jogos como Hotline Miami, que acabou virando uma grande referência. Algumas fases foram pensadas diretamente a partir de elementos de Hotline Miami que gostávamos, e que achávamos interessante implementar em nosso jogo.
É interessante como pequenas mudanças podem criar grandes possibilidades. Por exemplo, conversando com o Jim, nosso level designer, percebemos que não havia dano de queda (fall damage) no jogo. Então pensamos: “E se fizermos um buraco em que o jogador cai e demora bastante para chegar ao chão?” Assim, começamos a brincar com a ideia de dar um pouco de suspense ao jogador, que começa com um certo receio de se arriscar, mas vai ganhando confiança com o tempo, até deixar de se preocupar em “morrer ou não”.
Notamos também que as fases não precisavam ser muito grandes. Em alguns momentos, começamos a pensar em fases mais complexas, inspiradas em El Paso, jogo em que eu e o Jim também trabalhamos. Pensamos em criar fases com muitos eventos, inimigos aparecendo de todos os lados. Mas aí surgia a questão: quando criávamos uma fase que durava só uns vinte segundos para completar, a primeira reação era: “Essa fase está muito curta, será que podemos mesmo entregá-la assim no jogo?”
Quando tivemos a oportunidade de lançar a demo do jogo na Steam, no NextFest (em maio ou junho), veio a ideia de incluir o sistema de tempo e rankings. Essa parte foi adicionada quase de última hora para a demo, o que foi curioso, porque até então, eu mesmo não sabia que o jogo teria tanto foco em rankings. Lançamos a demo, e logo vimos a comunidade competindo intensamente, tentando não só alcançar o ranking S, mas também quebrar o jogo para conseguir tempos “negativos”.
Um pouco antes de lançar a demo, tivemos uma discussão sobre esses tempos negativos. Eles pareciam indicar um erro ou bug no jogo, e pensamos: “Será que precisamos corrigir isso?” Mas depois percebemos que estava divertido assim. A demo era justamente o momento para experimentar, então decidimos manter e ver como os jogadores reagiriam.
Na demo, descobrimos que a galera adorou a possibilidade de fazer tempos negativos. Pouco antes do lançamento, ainda não tínhamos a mecânica de ganhar tempo extra ao matar inimigos. O tempo que o jogador tinha no início era o tempo que ele levava até o final da fase. Mas aí percebemos que, a menos que a fase exigisse que todos os inimigos fossem eliminados, não haveria motivo para matar ninguém. A melhor estratégia seria ignorar todos os inimigos e correr até o final.
Para resolver isso, criamos o sistema de "Acréscimo": ao derrotar inimigos, o jogador ganha tempo extra. Com o tempo, essa ideia evoluiu para permitir diferentes formas de derrotar os inimigos, cada uma com pontuações distintas. Inclusive, o jogo foi bastante comparado a Bulletstorm – um jogo de tiro que nem todo mundo conhece, mas que tem mecânicas de combate variadas, como chutes. Esse processo foi super interativo e colaborativo, com ideias novas surgindo a partir da experiência dos designers e dos jogos que já jogamos.
Você comentou sobre Hotline Miami ser uma inspiração para o jogo, e I Am Your Beast traz uma perspectiva muito interessante para o gênero de ficção política e espionagem, tematicamente. Poderia citar pra gente alguma das outras principais inspirações em termos de temática e gameplay?
Kevin: Posso falar um pouco das referências que ouvi dos outros e das que fui incorporando na minha parte do jogo. Uma referência primordial é a trilogia Bourne, com o Matt Damon. Outro ponto de inspiração é o Rambo, que traz essa figura do militar aposentado. Acho que a parte mais política de I Am Your Beast vem muito desse aspecto do Rambo, especialmente no primeiro filme, abordando o trauma e o desajuste de quem retorna da guerra e não quer mais fazer parte daquele mundo. Claro que também há muita influência de John Wick, tanto na gameplay quanto na adaptabilidade do personagem, que lida com o que encontra pelo caminho – como pegar um galho ou improvisar com o que tem em mãos.
Falando de jogos, a referência mais óbvia é Superhot, especialmente pela mecânica de jogar uma arma e fazer outra aparecer na sua mão. Doom é outra influência certeira, e entre nós, level designers “iludidos”, Batman Arkham também sempre aparece nas discussões. Dishonored também foi uma referência, especialmente na hora de criar designs de fase variados. Por mais que o jogo seja de ação, queríamos que o jogador analisasse o cenário antes de agir. Por isso, muitas fases começam com o personagem em um ponto elevado. Quando uma fase começa no chão e leva o jogador para cima, geralmente é para introduzir uma nova mecânica, como snipers ou armadilhas, de forma surpreendente e envolvente.
Hotline Miami, Doom, Quake, e até Mirror's Edge foram inspirações, especialmente por nossa conexão com a comunidade de speedrunners. Essas influências nos ajudaram a desenvolver um design onde o jogador pode explorar diferentes abordagens e manter um ritmo intenso na gameplay.
Outro aspecto impressionante do jogo é a estética dele, o design dos inimigos e o visual. Quais foram as inspirações para criar essa identidade visual que o I Am Your Beast tem?
Kevin: Quando o projeto foi criado, a principal referência visual era a estética dos quadrinhos. Isso é evidente no uso de cel shading nos personagens e nas cores bem contrastantes, que trazem um visual mais próximo de um desenho do que de algo realista.
Elementos como as linhas de ação ao correr e os efeitos sonoros do jogo remetem diretamente às onomatopeias dos quadrinhos. Até os splashes de sangue no cenário seguem essa linha estilizada, dando ao jogo um toque de ação gráfica típico das HQs.
Uma característica dos jogos da Strange Scaffold, incluindo I Am Your Beast, é que o desenvolvimento rápido muitas vezes não permite a criação de concept art. A produção acontece no feeling – vamos direto para a execução com base em conversas e experimentação. Na minha primeira experiência com El Paso, eu ainda fazia esboços dos mapas no Illustrator e apresentava os pitches. Mas em I Am Your Beast, fui direto para a Unity, criando o terreno e testando os assets sem muito planejamento prévio.
Quanto às cutscenes, encontramos uma abordagem mais prática. Criar cutscenes consome muito tempo e recursos, já que alguém precisa se dedicar exclusivamente a isso. No El Paso Elsewhere, por exemplo, o programador também era responsável pelas cutscenes, o que gerou uma carga de trabalho muito intensa. Para I Am Your Beast, queríamos algo que exigisse menos tempo e recursos, mas que ainda fosse dinâmico e interessante. Foi aí que surgiu a ideia de usar Kinetic Text – aquele estilo de texto animado que se expande, troca rapidamente e interage com o espectador, muito usado em memes e vídeos virais.
Em vez de investir em animações complexas ou em um estilo slideshow, optamos por esse recurso dinâmico de texto em combinação com um áudio bem trabalhado, aproveitando o talento do estúdio na dublagem e produção sonora. Essa escolha resultou em uma apresentação engajante e diferenciada, utilizando o mínimo de recursos visuais, mas com grande impacto.
Sei que alguns jogadores não curtiram muito essa abordagem e acharam uma solução meio simples, mas, gostando ou não, é algo diferente e interessante. Do nosso lado, essa escolha facilitou muito o desenvolvimento. Em questão de uma ou duas semanas, já tínhamos todas as cutscenes praticamente prontas, só precisando de uns ajustes finais. Foi uma solução rápida e eficiente para nós, e acabou funcionando bem.
O que você espera que os jogadores levem consigo após jogar a I Am Your Beast? Quais são as sensações ou reflexões que você espera que o jogador tenha depois de entrar em contato com essa obra?
Kevin: Bom, a história de I Am Your Beast tem uma camada política que questiona muito o militarismo americano, mas, como somos brasileiros, acho que isso vai ressoar de forma diferente para nós, ainda que seja uma questão bem relevante.
No entanto, uma reflexão que aparece de maneira mais sutil no jogo, mas que tem sido bem recebida por parte da comunidade, é o questionamento sobre a masculinidade. A relação entre o protagonista Harding e o Byron, que entra no jogo no primeiro terço da história e tem um papel importante até o final, fala sobre como os homens podem ser amigos sem a vergonha de demonstrar afeto, até de maneira mais íntima, sem que isso seja estigmatizado. Eu acho que isso é uma mensagem bem bacana, e não sei se todos perceberam isso, talvez alguns vejam apenas como uma piadinha, mas pra quem pegou, é algo muito interessante.
Em relação a gameplay, o que é bacana é que I Am Your Beast não é um jogo fácil. Para quem quer platinar, conseguir todos os rankings S e completar os desafios e objetivos extras, vai ser uma tarefa difícil. Mas queríamos que o jogo fosse acessível para jogadores casuais também, até para os mais "ruins", como eu, por exemplo.
No desenvolvimento, decidimos que a mira do personagem não seria tão crucial. O jogo tem um sistema de magnetismo nas balas do Harding, então não é necessário mirar exatamente na cabeça do inimigo para acertá-la. Basta estar dentro de um raio razoável, o que torna o jogo mais acessível. A ideia por trás disso é que qualquer jogador, desde que entenda o básico dos controles, se sinta como o John Wick, sabe? Isso faz parte da filosofia da gameplay: permitir que todos possam jogar e se divertir.
O desafio está na repetição, na prática, e na melhoria contínua do jogador. Então, mesmo que você seja um jogador menos experiente, se tentar várias vezes, em algum momento vai conseguir alcançar um ranking S. Para mim, conseguir S em qualquer fase não é impossível, você só precisa pegar o jeito. Isso faz parte da progressão e do aprendizado dentro do jogo.
Depois de toda essa aula de desenvolvimento, acho que essa é a pergunta que todo mundo quer fazer: o que podemos esperar da Scaffold no futuro?
Kevin: É uma pergunta complicada, porque a primeira coisa que eu penso é que eu preferia não saber de algumas coisas [risos]. Mas, enfim, o que eu posso contar... Sei que tem várias coisas que já foram divulgadas, mas talvez de uma forma não tão detalhada, e outras ainda são novidade.
Por exemplo, temos um jogo atualmente chamado Co-op Kaiju Cooking Simulator, que é um jogo cooperativo de cozinha com Kaijus. Já saíram algumas imagens dele, e o Nelson tem começado a adicionar mais coisas no jogo. Além disso, temos um jogo grande em andamento, mas eu não posso dar muitos detalhes ainda, e um outro que foi anunciado há pouco tempo, sobre o qual eu já mencionei o nome para algumas pessoas, mas ainda é segredo para a maioria.
O que eu posso garantir é que I Am Your Beast ainda está bem vivo. Eu ainda estou trabalhando nele. Nós já mencionamos que vamos lançar um pacote de fases novas, e estamos fazendo atualizações constantes, interagindo bastante com a comunidade.
Recentemente, lançamos a funcionalidade de interação com a Twitch, que foi bem legal. Essas fases novas não devem demorar muito para sair. Não sei se a data já foi anunciada, mas é algo que vai acontecer em breve. Elas terão um tema específico, não serão apenas fases aleatórias para fazer Rank S. Pensamos em algo mais interessante, em vez de apenas lançar um pacote genérico. Depois de conversarmos um pouco, decidimos criar algo que amarrasse bem todas essas fases, uma ideia mais envolvente.
Outro projeto que temos é Creepy Redneck Dinosaur Mansion 3. E a galera está sempre perguntando: "Onde posso encontrar o 1 e o 2?" Bom, a resposta é: não vão encontrar [risos]. Eu adoro esse mistério que se cria. Mas, de acordo com o que entendi, há uma razão para ser o 3.
E, claro, temos também o El Paso, que vai virar filme! Isso pegou a gente totalmente de surpresa. Não sabíamos que o Nelson estava conversando com produtores de Hollywood para viabilizar isso, e, de repente, aconteceu. Ficamos tipo: "Como assim?!" E sim, o filme vai ser estrelado pelo LaKeith Lee Stanfield. Não adianta perguntar muito sobre o projeto, porque é uma produção de Hollywood, então sabemos o mínimo possível. A única certeza que temos é que esperamos que o projeto aconteça, e torcemos para que ele chegue até o fim. Seria muito legal se rolasse um barulho maior sobre isso.
Agora, pra gente terminar: qual é a sua fase favorita no game? E como um level designer, qual é a que você gosta mais?
Kevin: Uma fase que realmente marcou o desenvolvimento do jogo para mim foi a quarta fase, chamada “Impolite Dispute”. Ela é a fase onde o jogador sobe uma montanha, explodem coisas, você vai para outro lado, e é uma sucessão de explosões e trollagens. Eu gostei muito dela porque o processo de criação foi bem engraçado. Quando recebi o roteiro, ele era bem vago.
A ideia era simples: o jogador passaria pela fase, encontraria alçapões que explodiriam, e depois seguiria em frente enquanto enfrentava inimigos. A princípio, parecia ser uma fase bem simples, quase uma cutscene interativa, uma fase curta, com um pouco de história e só.
Mas quando comecei a trabalhar nela, pensei: “Eu tenho que colocar coisas explodindo, mas fora isso eu tenho liberdade.” Então, eu criei uma fase com um pulo de 40 metros de altura, coloquei inimigos por todos os lados, armadilhas, e fiz uma fase muito mais complexa do que o esperado.
Quando apresentei a fase para a equipe pela primeira vez, eles ficaram surpresos. O feedback foi: “A gente vai precisar pegar essa fase e transformá-la em uma parte diferente do jogo, porque ninguém esperava que ela fosse ser assim. A gente estava querendo algo mais focado em história e você transformou tudo.” Mas aí, depois de uma boa discussão e considerando o tempo que tínhamos, chegamos a um acordo. A fase não estava prejudicando tanto o andamento do jogo e, na verdade, ela acabou se tornando um ponto de virada para a nossa filosofia.
Foi em I Am Your Beast que, após o desenvolvimento de El Paso Elsewhere (nosso jogo anterior), percebemos que algumas pessoas acharam que o jogo demorava muito para “engatar”, sabe? Então, decidimos colocar uma fase mais bombástica logo no começo, mais aberta, com muitos inimigos, saltos malucos, e elementos de ação logo de início. A “Impolite Dispute” acabou virando a quarta fase do jogo, e hoje eu realmente gosto muito dela, pois ela reflete essa mudança no ritmo que queríamos implementar.
Eu também tenho um carinho especial pela fase 11, aquela onde você sobe no morro e enfrenta dois snipers. Acho que foi a fase em que mais me diverti durante o desenvolvimento, mas também foi a que mais me frustrei. Fazer um morro no terreno da Unity é realmente um desafio, quase um inferno, mas apesar disso, foi muito divertido trabalhar nela. Eu realmente gostei do resultado final.
Agora, se fosse falar das fases do Jim, o outro level designer, eu diria que as fases que ele fez e que são mais "on rails" também me agradam muito. Elas têm esse ranking S bem específico, onde o jogador precisa ser perfeito na sua run. Não pode errar nenhum tiro, não pode pegar a arma errada... São fases mais exigentes, especialmente na parte dos desafios, e eu gosto bastante delas. Essa precisão e a necessidade de perfeição trazem uma dinâmica interessante e um desafio a mais para quem está tentando conseguir o melhor desempenho.
Kevin, foi um prazer imenso conhecer você, é muito legal ouvir você comentar sobre o jogo, sobre o que você faz, é perceptível a paixão que você tem pelo seu trabalho, e isso é algo que eu acho extremamente admirável, de verdade.
Kevin: Valeu, pessoal! Muito, muito legal. Eu acho muito bacana ter essas conversas, eu nem levo muito como entrevista, sabe? É muito gostoso falar sobre coisas que a gente gosta. E se quiser conversar de novo, pode chamar que estou empolgado!
Entrevista realizada e transcrita por André "Sr. Genérico" Dumas (@senhorgenerico), e editada e revisada por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano).
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