Não esquecendo que gêneros de jogos são caracterizações não determinísticas de alguns padrões adotados pela indústria, é no mínimo interessante acompanhar o crescimento da fusão entre first-person shooters (fps) e jogos de ritmo, que estranho ter demorado para surgir. Pensem comigo, Doom (1993) foi revolucionário graças ao aprimoramento da técnica tridimensional de Wolfenstein 3D (1992) somado a escolha de abraçar uma fantasia de poder violenta em busca da exploração de um inferno estilizado aos moldes de Dungeons and Dragons. Doom precisou enaltecer a irreverência e, por isso, escolheu ser do rock.
At Doom's Gate - assim como toda a trilha composta por Bobby Prince - é intensa e induz o jogador à adrenalina do extermínio de seres infernais, a composição é tão intrínseca que desativá-la remove grande parte da experiência oferecida. Ao mesmo tempo, jogos de ritmo (e Tetris) são capazes de imergir completamente o jogador ao induzi-lo em um estado de fluxo. Particularmente, sinto que Doom, Quake (1993) e outros boomers shooters foram capazes de atingir parcialmente um flow ao brincarem com com suas trilhas originais.
E conceituando rapidinho, os citados boomers shooters são comumente baseados nos fps da década de 90, mesma vibe dos já citados Wolfenstein e Doom, ou seja, jogos de tiro velozes marcados pelo enfrentamento de hordas em uma série de arenas, servindo como modelo para a mistura de gêneros. BPM: Bullets Per Minutes (2020) e Metal: Hellsinger (2022) são os mais reconhecidos frutos da mescla, competentes e sólidos em suas propostas mesmo que falhem em polimento, level design e tempo de jogo. Hellsinger, por sinal, foi minha primeira experiência e me fez pensar sobre o quão promissora é a mistura, ao mesmo tempo que questionei sua intuitividade.
Ok, a demo tinha como conteúdo duas músicas, um mapa e uma personagem. Foi suficiente. Ambos os sons ritmavam em perfeita sincronia com o avanço entre as hordas das diferentes seções de um mapa estritamente linear e agradável aos olhos. Enfrentamos uma corrida contra o limite de tempo determinado pela música escolhida, com uma pequena ajuda por meio do bullet time, nosso overdrive (habilidade especial). Era super divertido, funcional e apenas um pedacinho do modo arcade.
Então, se a demonstração foi divertida da forma que foi, imaginemos o que o jogo final pode ser capaz com a inclusão de um modo história, mais músicas, mapas e personagens! Foi prometido a nós que poderíamos jogar com qualquer música em qualquer mapa, todos em completa sincronia, ao mesmo tempo que escapávamos do Heavy Metal - predominante em jogos do estilo - e dançaríamos mais ao ritmo de Trap e Eletronic Dance Music (EDM).
Descrever sensações é uma tarefa difícil e não acho que consegui ou conseguirei expressar o flow que a demo de Gun Jam trouxe, mas como uma pessoa insatisfeita com a experiência de Metal: Hellsinger, iniciei o jogo esperando algo mais definitivo para o gênero, novo, polido e que, assim como a demo fez, cumprisse as promessas dos marketing. Talvez a minha animação estivesse alta demais? É, talvez, mas haviam promessas que a demo mostrou serem possíveis, tudo o que fiz foi confiar.
Gun Jam apresenta apenas quatro mapas jogáveis, o que por si só não é ruim, ainda mais de acordo com a premissa, pois a experiência de cada um é supostamente variável conforme a música. O real problema se inicia quando os três novos se tratam exclusivamente de arenas fechadas. Aquele disponível na demo, linear e que junto aos trailers vendeu ser o padrão do todo, é único. Por algum motivo, são eles quem definem a dificuldade do jogo, talvez essa escolha tenha sido feita de acordo com os inimigos enfrentados em cada e a possibilidade de morte instantânea por queda em buracos, mas na realidade, quem marcará a dificuldade é batida da som selecionado, daqui a pouco desenvolvo o por quê.
Quanto as músicas, temos dez disponíveis: três de Trap, três de EDM e quatro de Metal. De fato, podemos escolher qualquer uma pra jogar em qualquer um dos mapas, mas também temos um problema aqui, um gigantesco. A promessa de sincronia é falsa, nenhum som funcionará em todos os mapas, muito pelo contrário. Alguns são excessivamente lentos para a exigência de velocidade ou quantidade de inimigos, ainda mais quando enfrentamos hordas enormes nas arenas. Como esperado, são as músicas que ditam o nosso ritmo, mas o balanceamento com os inimigos é ínfimo, já que os elementos não respeitam os beats.
Na real, os próprios símbolos que aparecem em tela para representar os beats não se respeitam, já que se alternam constantemente entre as batidas dos diferentes instrumentos, sendo impossível jogar confiando apenas no ritmo, pois ele não existe. O jogador é completamente dependente do que vê, pois o som, aquilo que deveria ser o principal, não auxilia em nada.
Por fim, os personagens, que poderiam ser o tempero da experiência, não agregam em nada. As armas são as idênticas. A quantidade de vida é diferente, ok, mas isso só torna as coisas mais frustrantes quando você mal consegue se defender. Os overdrives também são diferentes, e mesmo que sua influência seja mínima, talvez fossem a razão de escolha de personagem jogável para alguém. Mas, para variar um pouquinho, isso não existe. Eles são fixados aos mapas. Pois é.
Admito que a movimentação do jogo é interessante, pois apenas podemos realizar uma ação que não seja andar no ritmo dos beats, e nesse momento temos de escolher entre atirar, atacar em corpo a corpo, ou usar um dash. Notem que escrevi apenas "interessante", não "bom" ou "legal". Considerando o que já foi dito sobre o ritmo, não ser capaz de agir fora dos beats é mais um limitador que qualquer outra coisa, ainda mais quando não temos a escolha de quais armas usar.
As quatro armas disponíveis realmente tem aplicações diferentes na estratégia de enfrentar os inimigos, mas tudo isso se perde quando a troca advém de sorte. As armas mudam de acordo com os diferentes símbolos dos beats aleatoriamente, tornando, por exemplo, o crowd control quase impossível, ainda mais somado com os ataques vindos dos chefões que aparecem ao final das músicas, que só toma dano quando toda a horda foi derrotada.
Isso é Gun Jam. Acho que não existe palavra que o defina defina mais que uma já usada aqui: cru. Existe um potencial enorme, mas ele foi desperdiçado por uma sequência de escolhas infelizes que tornaram a versão final de um jogo aquém de uma mera demonstração de si mesmo. É muito triste finalizar esta análise afirmando que hoje esse jogo não vale a pena, não pelo preço que está sendo vendido na Steam. Espero que ele se atualize, evolua, e se sim, voltarei aqui com um sorriso no rosto para relatar a experiência.
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