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Falsificando a réplica em The Crush House — Análise


A lente da câmera recorta e distorce, logo, o que é capturado nunca é neutro.


Até a 'não ficção' — como em um documentário clássico — é, portanto, afetada não apenas por quem segura a câmera, mas também pelo receptor do produto final. Por isso, até os reality shows, que por colocarem câmeras fixas para vigiar seus participantes propõem ser 'menos encenados', existem nesse paradoxo causado pelo choque entre o real e o fictício.


Ao se encontrar entre esses dois polos, "The Crush House" aposta na artificialidade para construir sua estética. Claro, um jogo que se passa em algum lugar nas águas de Malibu, numa mansão construída para a TV, com um tobogã que desce do telhado até sabe-se lá onde, já é, por si só, uma ambientação feita para não parecer real, mas não é ao projeto arquitetônico que me refiro.


Construindo a simulação

Tudo começa na escolha de época: 1999, ano de estreia do primeiro "Big Brother" na Holanda

e um momento importante para a consolidação do gênero globalmente. É natural que haja nostalgia por esse ponto de efervescência. Contudo, à primeira vista, é curiosa a escolha de transferir para aquela época modos de interação contemporâneos, como a participação do público em tempo real.


A ficção aqui é utilizada para construir esse cenário absurdo. Porque, mesmo que a nostalgia sempre consiga ressuscitar infinitos “Crashs Bandicoot” sob o pretexto da evolução tecnológica, ela não pode ressuscitar Kléber Bambam, vencedor do primeiro BBB, para podermos todos nos reunir e comentar no Twitter – e olha que tentaram no BBB 13, mas ele desistiu após cinco dias.


Encarregada dessa quimera está você: a produtora Jae Jimenez Jung, contratada para produzir o programa que dá nome ao jogo. Para isso, você precisa escolher quatro pessoas dentre os doze personagens disponíveis, os quais habitarão a mansão por cinco dias, onde serão filmados por você de acordo com os desejos dos diversos públicos que assistem ao programa. Além disso, sua única outra obrigação, dada pela voz vinda do seu rádio, é nunca falar com os jogadores.

'thirsty-person shooter' 

Dentre esses públicos, alguns querem drama; outros querem bundas; estudantes de cinema querem um belo contra-plongée (quando você filma debaixo para cima); e alguns, um pouco mais estranhos, querem saber apenas se a encanação da casa é realmente boa. E você entrega o que querem - menos pros anarcocapitalistas, esses nós ignoramos.

Se você não estiver na dificuldade “casual”, falhar em atingir os níveis de satisfação de certo número desses grupos de espectadores faz com que o programa seja cancelado, e todos são obrigados a descer o “tobogã do fracasso.” O contrário acontece no “tobogã do sucesso”, utilizado caso os cinco dias sejam completados, e então você volta ao início do mesmo dia para tentar novamente.


Esse núcleo do jogo é simples, porém muito bem polido. Por exemplo, quando você consegue satisfazer três grupos diferentes ao mesmo tempo, além do feedback auditivo, também há um feedback visual que indica um bônus de pontos pela qualidade do enquadramento. E, se o dia está chegando ao fim e você ainda não satisfez todos os grupos necessários, a noite fica mais escura que o normal para sinalizar que seu tempo está acabando. Esses detalhes são, respectivamente, muito úteis para mantê-lo engajado na gameplay e gerar um certo nível de tensão na sua experiência.


Apesar de o jogo ser categorizado como uma simulação nas lojas, eu diria que o loop de jogabilidade está mais próximo de jogos como “Untitled Goose Game,” onde você recebe diversas descrições de tarefas e tem que usar sua criatividade para descobrir como realizá-las. Os elementos do gênero citado funcionam mais como um suporte para a narrativa, que se trata de um thriller de mistério (já voltamos nisso).


Enquanto você não está gravando, propagandas são exibidas e geram dinheiro, permitindo que você compre novos móveis durante a noite, os quais criam novas interações para os participantes. No entanto, na dificuldade normal, é comum sobrar muito pouco tempo para manter a câmera abaixada, criando a necessidade de pensar bem qual será o próximo prop que você irá comprar, sendo alguns deles importantes para quests dadas pelos personagens.


PARANOIA

Que missões são essas? Então, lembra da regra de não interagir com ninguém? Ela é meio estranha, não? Mas não é só isso. No elevador que a protagonista utiliza para chegar, se você reparar, a porta está quebrada, como se alguém a tivesse aberto à força. No chão, as pegadas criam a sensação de que muitos pés (ou o mesmo pé muitas vezes) caminham por ali.



Se você não quiser continuar em um loop infinito de incontáveis temporadas de The Crush House e permanecer no escuro quanto aos seus segredos, será necessário ajudar os personagens que escapam de seus quartos à noite para conversar com você. Essa companhia é bem-vinda, já que andar pela enorme mansão na madrugada pode ser intimidador, especialmente quando os diversos “chorbys” espalhados pela casa se movem sozinhos.


Esses pequenos bichinhos peludos – e não estou falando dos ratos – ficam espalhados pela casa e contribuem para o clima de paranoia em relação à natureza do reality. E se as câmeras reais forem os chorbys e você apenas mais um dos participantes? Um reality show sobre um reality show? A falsificação da réplica da realidade.


As elucubrações não param à medida que você se depara com mais elementos, como o onipresente Crush Juice, o refrigerante verde favorito da casa e a passagem do tempo que é marcada por mudanças bruscas na iluminação. E até mesmo existe uma maquete da própria mansão que você adquire, que fica no fundo de um aquário e com a qual os personagens interagem com desconfiança para provocar ainda mais a sua curiosidade.


É esse o nível de artificialidade, construído na estética do jogo, a qual me referi no início do texto. Quanto mais você avança, mais você duvida da natureza do programa e, para tentar descobri-la, terá que continuar a ajudar mais personagens e descer mais fundo na trama que te leva ao subsolo da mansão.


Considerações finais

Para finalizar minha crítica, não avançarei mais no que acontece (por motivos de spoiler), mas devo dizer que fui fisgado pelos fios condutores dos enigmas e das revelações em cada uma de suas pontas. Entretanto, ao terminar "The Crush House", sinto que, apesar de ter sentimentos mistos em relação aos dois finais que consegui (será que há um terceiro?), me diverti tanto caçando enquadramentos quanto investigando seus segredos. Um verdadeiro prato cheio para amantes de reality shows e mistérios.



Texto editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano).


Agradecemos gentilmente à Devolver Digital pelo envio de The Crush House para análise!





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