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Devil May Cry 3 e a dor de estar longe de casa — Crítica | Análise

INTRODUÇÃO

Eu tinha muito medo de jogar Devil May Cry 3. Durante minha jornada pelos outros dois jogos da série, comecei a ouvir opiniões do público sobre a franquia, tais como “DMC1 é divisivo” e como DMC2 parece ser visto como o pior da franquia.


Quando expus minha experiência, porém, pude perceber que as coisas que eu mais tinha gostado no DMC1 eram as que geralmente deixavam as pessoas mais resistentes, e que minha opinião sobre o DMC2 não era “muito popular”. O Twitter fez questão de deixar isso claro.


Mas o mais interessante foi ver o medo real de vocês sobre minhas opiniões em Devil May Cry 3. O jeito que vocês falavam sobre esse jogo e como vocês me viam jogar esse jogo parecia que seria algo que eu realmente iria detestar e que isso seria um crime.


Hoje, porém, vamos falar um pouco desse "crime".


Sejam bem-vindos e bem-vindas ao Games por Breno, da grande família Mancini, e hoje vamos fazer uma crítica a Devil May Cry 3. Continuando a série de vídeos de DMC e se não viu, vá ver a crítica do 1 e do 2 e aproveite para se inscrever no meu canal! Enfim, vamos lá.

 

A "GRANDE FAMÍLIA"

Existe uma pintura de um dos meus artistas favoritos, René Magritte, chamada A GRANDE FAMÍLIA. Se você não conhece, como você imagina que ela seja?

 

Pelo título apenas, você possivelmente pensou na grande obra da TV brasileira "A Grande Família", que, apesar de eu agora desejar muito esse crossover, não seria muito realista.

 

Podemos imaginar, porém, apenas um grupo familiar. Se você for alguém muito “família”, talvez a sua “Grande Família” sejam pais, mães, avós, avôs, cachorros, sobrinhos, tios e tias. Se você souber um pouco de René Magritte, (talvez porque viu meu vídeo sobre contraestética), sabe que ele era um surrealista com um certo humor crítico em suas obras. Cabe aqui, então, a possibilidade de imaginar que A Grande Família seria um grupo de gigantes ou uma família surrealmente alta em um meio urbano de estatura normal.

 

Você não esperaria, porém, a sensibilidade de Magritte sobre o tema família. A família pode ser calma, mas também caótica. Pode ser distante, mas ainda muito próxima; pode ser o motivo da tempestade, mas também a calmaria logo após.

 

Essa é a pintura "A Grande Família" de René Magritte:

 

A mistura do quente com o frio, o pássaro que está no horizonte, mas que ao mesmo tempo parece estar no primeiro plano da tela. Ondas e nuvens que parecem premeditar ou suceder uma tempestade, mas que são acalentadas pela figura de um grande pombo que serve como uma janela para um tempo muito mais claro e pacífico.

 

Esses contrastes surreais me trazem o exato sentimento de família, por isso eu gosto muito dessa pintura.

 

Eu sempre fui uma pessoa muito ligada à família. Passei 12 anos como filho único, o que me deixou muito próximo aos meus pais. Depois de ver minha irmã nascer, entendi o amor.


Apesar de meus pais trabalharem e passarem grande parte do dia fora, tive minha avó próxima a mim, assim como tios e tias com quem aprendi tanto. Nunca fui alguém com muitos amigos até chegar na adolescência, então durante a infância meus melhores amigos foram meus primos, com quem estive praticamente toda semana por grande parte de minha vida. Fui moldado por minha família em vários aspectos e sou o que sou hoje por conta deles. Sou muito grato pela família que tenho e acredito que tive sorte. Mas então, por que me afastei?

 

Vivemos e tentamos seguir expectativas alienígenas, tentamos chegar o mais distante de tudo que nos criou, seja bom ou ruim. Eventualmente, estar longe da família se confunde com sucesso, sair do ninho é como finalmente ter alcançado o que queríamos, é um triunfo.

 

Durante o início da minha vida adulta me distanciei muito de minha família. Pessoas que eu amava e contava os dias para reencontrar, hoje eu sequer sei como estão seus rostos, quais histórias carregam, quais expressões os marcaram. Como seus olhos se comportariam ao me ver hoje? Vão franzir, sorrir ou ficar imóveis, indiferentes?

 

Depois de me distanciar eu tenho medo do reencontro, ao ponto de me mudar para outro continente com medo de pedir desculpa pela decisão de me afastar. Por muito tempo pensei que me detestavam. “Por que ele não vem mais?”

 

Família pode ser uma benção, mas pode também se tornar um peso que machuca a cada passo que damos, nossos joelhos doem e qualquer queda parece ser fatal. Mas no meu caso, eu cultivei esse peso. E eu precisei estar fisicamente distante para entender o mal que isso causa não só em mim, mas na minha família também.

 

Não foi por mal, sequer foi por pensar. Fazemos escolhas inconscientes, e com isso, fazemos renúncias silenciosas. Família, no meu caso, foi uma renúncia constante e isso me machucou e machucou muita gente até então próxima a mim, e a distância machuca muito mais quando vem de uma escolha.

 

Eu estava com tudo isso em mente, até que eu vejo um jovem Dante em seu recém-aberto escritório.

 

A FAMÍLIA DE DANTE

Não consegui pensar senão que Dante em seu escritório parecia um adolescente brincando de adulto, e isso foi cativante, afinal, é o Dante que eu conheci, só que mais jovem e imaturo em vários aspectos. Primeiro, Dante é jovem em sua prosa, com piadas constantes e um narcisismo digno de um adolescente do ensino médio que foi pela primeira vez à academia.

 

Também, Dante é imaturo em seu combate. No DMC2 e até no DMC1, vemos um Dante fatal, pouco esforço já basta para resolver o problema (isso principalmente no 2!). Aqui, Dante faz malabarismos que não se justificam, a não ser para se provar, seja para nós, interlocutores, ou para ele mesmo e suas expectativas.

 

Ele parece ser forte o suficiente para lidar com inimigos com facilidade, mas claro que é mais legal fazer essas cenas mirabolantes de luta. E não reclamo, a cena da moto é uma das maiores dessa franquia e esse toque adorna a gameplay que é a mais espalhafatosa até então. Inimigos agora precisam de mais porrada e você precisa fazer combos mais bonitos para causar mais dano. É quase como se o objetivo aqui não fosse derrotar os inimigos porque você é mais forte, mas se provar mais forte ao derrotar os inimigos, e fazer bonito agrega muito nesse aspecto, apesar de não ser um fator que me apetece (inclusive me entedia).


Mas o sabor desse jogo está na superação substancial do maior ponto de imaturidade de Dante: Dante é imaturo quando o assunto é família.

 

Já sabemos o quão quebrado está Dante. No Devil May Cry, tínhamos um Dante com um claro senso de compaixão, herdado do que parecia ser uma família amorosa, mas separada pelas circunstâncias da vida. Dante já possuía certa maturidade ao lidar com isso e não tinha vergonha de demonstrar ternura quando se tratava de seu pai, irmão ou mãe.


Em DMC2, Dante passa isso adiante, enfatizando a importância de uma família saudável, mesmo que não seja de sangue. Em DMC3, vemos um arco de crescimento de Dante e seu "coming-of-age" brilhantemente entregue com sua relação familiar sendo colocada à prova pela contraposição de seu irmão gêmeo como antagonista do enredo, mas também como o inalcançável obstáculo ao ter abandonado seu laço familiar e o ter reduzido a "Poder", tornando-se assim a figura do irmão mais velho que abandonou o ninho.


E aqui DMC3 brilha com seus personagens coadjuvantes. Vergil é essencial não apenas para DMC3, mas para a franquia como um todo até então. Vergil é a forja do destino de Dante e surge como uma provação, um trabalho que Dante deve enfrentar fisicamente e essencialmente. Vergil é mais forte do que Dante, e isso fica claro quando o vemos derrotar com apenas um golpe (ou nem isso) o primeiro chefe do jogo. Voltamos ao que mencionei mais cedo, é uma contraposição clara de demonstração de poder. Porém, a visão de família de Dante está nublada.

 

E é necessária a companhia de personagens excelentes como Vergil e Lady para Dante ressignificar o termo Família e decidir carregar novamente o peso da mesma. Se tornando ainda mais antagônico ao Vergil, que parece negligenciar sua criação, vendo-a apenas como um meio para o seu objetivo final.

 

Vergil nesse jogo parece ter passado pelo processo de emancipação, cortando qualquer laço familiar essencial. Enquanto Dante amadurece e percebe que não importa o quão distantes estamos, carregamos o peso da criação, do legado e do cuidado de quem nos cria, portanto, precisamos lutar para devolver e manter isso. Esse conflito se mostra atávico para os dois.

 

Ao final do jogo, temos o despertar de Dante, que em uma das cenas mais lindas da franquia, se encontra novamente em família com Vergil, mesmo que seja apenas por uma última afinação. A batalha em conjunto de Dante e Vergil é um daqueles momentos que só se pode traduzir em jogos.

 

Dante ter Vergil como aliado contra um inimigo que se apoderou do poder de Sparda, pai deles, é de um romantismo tremendo. Sem falar do simbolismo em não usar "devil trigger" e o intercâmbio de armas que acontece nessa cena. Naquele momento, eles cresceram. Infelizmente, o caminho de crescimento de Vergil é voltar ao ninho, mesmo que ele esteja vazio, enquanto Dante precisa arcar com o peso de mais uma vez sair, se distanciar, mas dessa vez sabendo a importância que aqueles laços possuem em sua vida e, o mais importante, o que significa família, tornando essa aventura ainda mais cruel e difícil. Sair por escolha machuca ainda mais quando a escolha é tomada conscientemente.

Quando Dante chora, eu estava ali. Durante esse caminho eu também cresci e adquiri uma habilidade fundamental para sobreviver.

Entendi que não preciso fugir da família e talvez nem conseguiria. Enquanto existirmos, nossos laços permanecem e enquanto a solidão faz de conta que estamos sozinhos, de fato não estamos. De repente tive vontade de amar mais.


Amar mais meus amigos, meus primos, minha parceira, meus pais e minha irmã. Para ela, dizer que sempre vou estar aqui e não me tornarei distante e se eu fizer isso, estarei pessoalmente falhando.


Eu aprendi também a ressignificar Família e a me amar nessas famílias. Uma família que escolhi ter, uma com quem posso dividir o peso da vida, essa também é família, mas só conseguimos enxergar de verdade quando caminhamos mais distante do ninho, quando nossos joelhos não aguentam mais e os braços de quem nos criou já mal conseguem nos alcançar para ajudar, e aí temos outras pessoas que surgem com um novo significado do que é acolher.

 

Como um pombo no horizonte.

 

E por isso Devil May Cry 3 me marcou.


"The big family" (1963) - Pintura de René Magritte

 

Não tiro seu mérito. No momento mental em que eu estava, poucos jogos fariam o que esse jogo fez. Ter tomado essa jornada me trouxe de volta para momentos familiares, esse jogo trouxe isso em mim. E eu entendo, assim como Dante, que o conceito de família muda. Eu tenho uma nova família agora, sei amar minha família e sei me amar nessa família sem esquecer de toda a família que eu já tive e ainda tenho! De todo coração que cuidou de mim, toda alma que me protegeu, todo estranho que torceu por mim.

 

Eu amei também esse jogo.


Como pode um jogo ser tão improvável? Como pode em meio a tanto conflito, caos, incertezas e poluição, um jogo ter tanta ternura? Como pode uma franquia que causou tanto impacto, ser completamente diferente de tudo que a sucedeu?

 

Chorar em Devil May Cry é ser humano. É um tema que não poderia ser tão humano quanto a própria família.


Sinto que aqui se encerra, por enquanto, minha jornada nessa épica familiar. Mas deixo essa aventura retida com ternura e expectativas, para que quando voltarmos a nos ver seja um desafio no meio de um momento em que, espero, seja mais simples a minha vida. Talvez lá na frente, eu esteja feliz o suficiente para aproveitar tudo que me resta nessa franquia. Por hora, meu estado de espírito não me permitiu descansar sobre Devil May Cry 3 e, por estar exausto, Devil May Cry 3 me cansou ainda mais. Mas também por estar exausto, Devil May Cry 3 me fez chorar.


Estou muito feliz por ter jogado esse jogo.



Texto em vídeo



Texto editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano).




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