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Deadpool & Wolverine: uma homenagem inesperada — Crítica

Um mercenário rodeado de paradigmas

Poucos conseguem ser tão cínicos quanto a Marvel Studios. O braço de um conglomerado multibilionário que aglutina tudo como o próprio Alioth, criatura de potencial altamente destrutivo presente na primeira temporada de Loki, não demonstra consideração pelos seus próprios produtos, constantemente ironizando e tirando sarro dos próprios super-heróis que são suas propriedades intelectuais.


Lança dezenas de filmes e séries por ano (por mais que talvez o Sr. Kevin Feige, AKA "Zé Boné", tenha percebido que a água bateu na bunda e tenha dado uma freada em seus projetos), ao mesmo tempo que constrói um império e cansa seu público com os próprios filmes que os fizeram chegar ao patamar em que estão. Um estúdio que vive, em si, um paradoxo.


De ironizar o nome "Doutor Octopus" a criar um estereótipo de filme que, em muitos casos, é exemplificado com situações que sequer ocorreram em seus próprios filmes, a Marvel está sofrendo o que toda tendência cinematográfica que se torna fenômeno sente: o cansaço após seus tempos de sucesso.

Assim como foi com os Spaghetti Westerns nos anos 60, os slashers nos anos 80, entre outros, estamos em uma era em que o público, apesar de ter apreço, está se cansando progressivamente mais e mais dos super-heróis. É aí que entra o Deadpool.


Deadpool

O mercenário tagarela é, antes de tudo, um personagem que surgiu em tempos nebulosos para os quadrinhos, nascido nos anos 90, concebido pelo bizarro Rob Liefeld e envolto em todo tipo de discussão que se possa imaginar. De relações de identificação à sua bisexualidade (coisa que já vi ser mencionada recentemente), a alegações de que a ironia e a comédia são de cunho reacionário em suas obras, ele vive em um pêndulo de perspectivas.


Seus filmes foram os primeiros, em um tempo de PG-13 para filmes de heróis, a atrair públicos adultos para o mesmo gênero cinematográfico que seus filhos assistiam. Humor autorreferencial, desbocado e, em alguns momentos, beirando o escatológico, fizeram de Wade Wilson, o herói em questão, um símbolo de uma perspectiva diferente do que o Universo Cinematográfico da Marvel era.


Então, após Deadpool 2, a Fox foi comprada pela Disney. Todo mundo pensou o pior, como era de se esperar. Não bastasse a compra, Hugh Jackman aparece afirmando que retornaria ao papel de Wolverine, que ele havia encerrado de forma emocionante e impactante em Logan, de 2017. Um clima terrível estava se formando em volta do terceiro filme de Deadpool. Para quem não estava na onda dopamínica da Marvel, ele se tornava mais e mais esquisito.


O esperado era um esculacho com a Fox, com os personagens e o próprio espectador, assim como a Vought trata os personagens em The Boys, série em que a Marvel Studios é constantemente alvo de tiração de sarro e, de certo modo, críticas. Uma empresa ficcional, que transforma super-heróis em commodities. Mas não foi assim.


Deadpool & Wolverine

Eis que o filme é lançado e eu posso dizer que, apesar de não ser mais apegado aos heróis e personagens do MCU, saí muito mais contente do que imaginava. Deadpool e Wolverine é, para mim, como duas pessoas que não se conhecem muito bem, sentando lado a lado em um enterro e começando a falar bobagem enquanto os ritos são realizados.


Claro, essa leitura pode soar melodramática demais para um filme de herói, porém, o próprio tratamento dado pelo filme à 20th Century Fox mostra que, por baixo dos comentários escatológicos, "piadas de pinto" e desejos carnais pelo corpo de Hugh Jackman, existe um amor e consideração por filmes que, por mais que uma parcela deles não sejam dos melhores, ainda são o fruto de trabalho de várias pessoas e imortalizados nas memórias de muitos.


Em sua narrativa, Wade Wilson (ainda interpretado por Ryan Reynolds, de Welcome to Wrexham), após uma adaptação sofrida e melodramática ao mundo pós-Multiverso Marvel, acaba sendo capturado pela Autoridade de Variação Temporal e cai em uma missão onde a única forma de salvar seu mundo é se unir a Wolverine (ainda interpretado pelo cara de O Rei do Show, um tal de Hugh Jackman) em uma pseudo road trip regada a sangue, briguinhas, cachorros extremamente feios e, como esperado desse tipo de filme, músicas pop, pois agora essa é uma cota que tem que ser cumprida — por mais que, de todos os filmes de heróis, quem mais tem direito de usar esse estilo na trilha sonora são Os Guardiões da Galáxia e o próprio Deadpool.


Estruturalmente, o filme segue como seus conterrâneos, em uma linha reta onde a dupla de protagonistas que dá nome ao filme vai encontrando não apenas novos obstáculos, como também homenagens e figuras que envolvem vários aspectos dos filmes de heróis da Fox, o que era esperado em alguns casos ou mesmo projetos que nunca viram a luz do dia.


O uso de participações especiais em filmes desse gênero é uma das ferramentas mais batidas, que não apenas se tornam cansativas, como às vezes acabam prejudicando o ritmo e a narrativa de um filme que se propõe a tentar algo diferente (como aconteceu no segundo Doutor Estranho).


Dito isso, em Deadpool, esse cansaço e esse efeito narrativo negativo são quase inexistentes, ao menos na minha perspectiva. Os rostos que aparecem como surpresas no filme não provocam apenas o efeito "Leonardo DiCaprio apontando e assobiando para a tela", como esse tipo de ferramenta tende a causar, mas também são personagens e atores que não vimos em anos, alguns inclusive há mais de 20.


Nostalgia é uma droga que intoxica as pessoas (até cheguei a falar sobre os efeitos negativos que ela proporciona se não lidarmos bem com ela em um vídeo próprio), mas aqui é menos sobre "olha só, é fulano X de filme Y!" e mais sobre o que é, de um jeito ou de outro, um adeus para papéis, atores e uma continuidade cinematográfica que simplesmente não existirá mais. Um último aceno para histórias que serão devoradas pelo conglomerado da Disney, repetindo mais uma vez a metalinguagem com a entidade Alioth, apresentada anteriormente na série de Loki.


Amarrando esses sentimentos, temos uma história que orbita a total bobagem e maluquice de um Corra que a Polícia Vem Aí (infelizmente despida da criatividade cômica de Leslie Nielsen) e momentos muito mais solenes, principalmente quando falamos do Wolverine.


Alguns críticos disseram que esses momentos foram forçados ou quebravam o ritmo do filme, porém, isso é, antes de tudo, Deadpool nos cinemas. Ambos os filmes anteriores buscam esse equilíbrio, concatenando o absurdo e o emocional. O resultado é algo que, apesar de tudo, me deixou feliz, um pouco emocionado e, por um momento, alheio ao cinismo mencionado anteriormente. É um filme que tanto ironiza, debocha e dança sobre o cadáver da Fox, quanto homenageia seus personagens, filmes e sua marca na história cinematográfica nesta vertente. Se há um jeito de Deadpool homenagear a 20th Century Fox, é esse.


Eu não consigo ver esse filme como uma "volta olímpica" de Kevin Feige e seus asseclas sobre o corpo de mais um estúdio absorvido em uma massa disforme multibilionária que apenas mostra o quão nossa cultura e economia estão em um redemoinho descontrolado. Mas é um bom filme, que nos faz lembrar de tempos agora perdidos com carinho.


Assim como temos diferentes formas de reagir a tragédias, esse filme escolhe tratar essa situação toda com bobagem, leveza e muito humor autoconsciente. Não estamos falando de um personagem da Marvel pisando em cima do que a Fox foi; é alguém que tanto tira sarro de si mesmo quanto tira de seu passado, presente e futuro.


São dois amigos rindo de piadas juvenis escondidos enquanto se lembram de alguém que se foi. Não vou me apegar a momentos de fanservice ou ao que personagem X fez em cena Y. Eu não poderia me importar menos com isso, pois o que Deadpool e Wolverine oferece é, de seu jeito todo torto, esquisito e ridículo, um dos últimos filmes do Universo Cinematográfico Marvel que tem algum semblante de alma, de espírito.


Um bom filme, mas nada de redenção

Por um tempo, desde a fase 4, estive em um processo de me desligar da Marvel no cinema, seja pelo desinteresse em filmes e séries novos, seja por perceber o estrago que o MCU causou na sétima arte, de um jeito ou de outro. Cinemas com apenas um filme em exibição, enforcando outros, uma marca de um humor extremamente cansativo em filmes que sequer têm a ver com o universo em questão, ou mesmo pelo fato de que, para uma história que acabou em 2019, os engravatados insistem em querer recuperar um efeito que não dependeu apenas de personagens e obras, mas também do timing correto para a popularidade.


Eu me cansei da Marvel, mas ainda havia histórias que eu queria ver acontecer nos cinemas. Nos quadrinhos isso é impossível de acontecer, já que é uma mídia que, de um jeito ou de outro, está bem mais saudável que as telonas.


É por esse motivo que, para mim, Deadpool e Wolverine é o momento perfeito de pular fora desse barco. Não com a decepção de mais um personagem usado de um jeito torto ou de mais um poço absurdo de potencial perdido em um mar de séries e filmes, mas com risadas, lembranças e Madonna. Como diria a turma do NSYNC enquanto um mercenário transforma ossos nas mais variadas armas: "Bye, bye, bye".



Texto editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano)



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