Um período muito esperado para qualquer estudante são as férias de fim de ano.
Em 2018, o ano de minha despedida do ensino fundamental, eu pensava em pouquíssimas coisas além de como eu iria aproveitar aquele momento, afinal, não teria muito com o que me preocupar, além de jogar videogames.
Lembro vividamente de auxiliar minhas professoras e colegas de classe a deixar tudo em ordem após o nosso último evento cultural, poucos dias antes da formatura. Foi necessário ficar até tarde arrumando as salas de aula, o que não foi ruim! Na realidade, aproveitei bastante aquela atmosfera de bom humor, conversando e zoando com aqueles que faziam parte de minha rotina, era o meu último dia afinal.
Ao chegar em casa, apenas dormi.
Dormi até ser subitamente acordado com meu celular que tocava e vibrava embaixo do travesseiro. Atendendo, ouvi minha tia com a voz de quem segurava o choro. Ela avisou que meu pai havia falecido. Não tive reações, quase como se a informação ainda não tivesse sido processada, eu apenas me recusei de ir ao enterro, desliguei e voltei a dormir.
O meu processo de luto foi estranho; era insuportável, sobretudo por não sair da minha cabeça o fato de que eu nunca mais o veria, mas, ainda assim, eu não demonstrava tristeza com quem estava à minha volta. Não chorava e nem sequer conversava sobre a perda com minha família, eu apenas procurava uma forma de me distrair, mas não conseguia.
Foi quando resolvi começar Bastion, o primeiro jogo da Supergiant Games, crente de que, assim como outros jogos, eu o largaria em questão de minutos…
UMA ESTREIA E TANTO
Bastion nos convida a acompanhar a história do protagonista chamado pelo narrador de “Kid”. Kid tenta entender a razão pela qual o mundo se encontra em um estado tão lamentável que é nomeado de calamidade, tudo enquanto resgata cristais que recuperam e fortificam o bastião, um forte onde habita o próprio protagonista e outros poucos sobreviventes que encontramos em nosso caminho. Uma história que expõe em primeiro lugar as consequências de antigos conflitos e todo o processo de reestruturação e recuperação de perdas.
A principal característica de Bastion é ser um jogo inteiro narrado em terceira pessoa quase que em tempo real, uma escolha de design que está presente no projeto desde sua concepção e se justifica de uma forma muito cativante e bem aplicada em game.
A voz grave de Logan Cunningham te acompanha tecendo desde comentários dramáticos sobre a história do jogo, até o que está acontecendo de fato na tela (com direito a piadinhas com o jogador por cometer algum deslize, por exemplo).
O que poderia se tornar cansativo com o tempo, na verdade, brilha cada vez mais, sobretudo em razão ao cuidado nas escolhas de palavras; com frases curtas e breves, mas evocativas. Uma linguagem que aproxima o jogador do narrador. Um cuidado exemplar.
A escolha de entregar detalhes da história, enquanto o jogo acontece, confere à obra um ritmo agradável que dá espaço para o combate se fazer mais presente, e isso de modo algum é desagradável, visto que as sequências de combate são sempre variadas e bem polidas.
Bastion faz algo que valorizo muito: te entrega um vasto arsenal que se diferencia significativamente entre si que é balanceado ao ponto de que todos os equipamentos à sua disposição são verdadeiramente bons. Sim, existirá a sua combinação favorita, mas em qualquer momento você pode experimentar, se adaptar e tirar um bom proveito de todas as outras possibilidades.
No fim do dia, cedo ou tarde Bastion te encanta, se não pela já citada história, narração e combate, com certeza pelo caprichado visual desenhado a mão e a excelente trilha sonora produzida por Darren Korb (hoje reconhecido por suas trilhas sonoras para jogos da Supergiant Games), que se fez presente na desenvolvedora desde o começo do projeto.
Darren buscou em Bastion nos envolver numa trilha descrita pelo mesmo como um “acoustic frontier trip hop”. Um Trip hop acústico de fronteira que traz aquela sensação de velho oeste em sinergia com a viagem que o Trip hop proporciona; com direito a uma bateria eletrônica pesada dando um contraste único.
Sem contar os ensejos aonde as trilhas são cantadas pelo próprio Darren Korb e a talentosíssima Ashley Barrett. Em momentos finais do jogo, a música tema de um personagem em específico foi capaz de me emocionar de maneira a tornar aquela cena, uma das mais memoráveis de Bastion.
É SOBRE SEGUIr…
Olhando em retrospecto, me faz muito sentido ter me apegado ao jogo justo naquele instante da minha vida. Quanto mais penso sobre Bastion, mais fica claro que a obra discute comigo em um de seus temas a inevitabilidade de desastres e a necessidade de diante a eles, entender, aceitar e se reerguer.
O processo de conhecer Caelondia, o mundo onde se passa o jogo e prezar por sua regeneração, fez eu me sentir na pele de cada um dos personagens daquela trama, que lidavam com a calamidade à sua maneira. Eu senti a leveza de Zia, a confusão de Zulf, a perseverança de Kid e até mesmo o saudosismo de Rucks, o narrador.
Estes personagens representavam para mim o misto de emoções que senti diante a perda do meu pai, e escolher o que escolhi ao fim do jogo, quando o futuro de Caelondia está em nossas mãos, me fez encarar o desfecho como um arco completo dos meus próprios conflitos.
Eu me senti como Caelondia; em processo de cura.
CONCLUSÃO
Quando eu menos esperava, Bastion tomou minha atenção durante sua curta e perfeita duração. Me arrancou da realidade (que vinha sendo desagradável) e me imergiu a uma experiência que, como poucas, me fez recomeçar a jornada através do new game plus instantaneamente, e no fim, me pegou de surpresa ao dialogar tão bem com o que eu estava sentindo.
Um jogo que fez muito sentido para mim, que guardo com carinho e que me abraçou no momento certo.
Texto editado e revisado por Alexandre Avatics (@Avatics).
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