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Another’s Crab Treasure é a paródia que foi lá e fez melhor - Análise | Crítica

O subgênero conhecido como soulslike conquistou uma legião de fãs que se encanta por diferentes elementos que compõem a fórmula, elementos esses que até hoje são debatíveis acerca de quais deles são essenciais para se ter um “soulslike”.


Podemos passear por diversos fóruns e vídeos no YouTube onde iremos encontrar inúmeras opiniões de pessoas sobre este assunto e é difícil chegar a um consenso, até porque a própria existência de um consenso é por si só debatível.


Se definir o que é um “souls” legítimo já suscita uma certa fricção, basta considerar como diferentes títulos da própria From Software trabalham seus elementos de formas distintas, quando ampliamos a conversa para um modelo de jogo de ação pautado em combate desafiador, marcado por um ritmo mais cadenciado de ataque e defesa (e nem vou entrar em outros elementos pormenorizados), a discussão vai longe, muito longe mesmo.


Ainda assim, vemos hoje o desenvolvimento sadio dessa vertente de jogos inspirada diretamente na fórmula da From Software, apelidados ou referenciados de forma mais popular como soulslike. O que os caracteriza? Bem, isso vai depender do que cada analista considera como um elemento essencial do subgênero e como o desenvolvedor de cada título vai trabalhar esses elementos a partir de sua perspectiva e ideias únicas para criar sua mixagem particular.


Pondo essa discussão de lado, frequentemente se reduz de forma grosseira o subgênero à dificuldade elevada. Ser um jogo difícil está longe, mas muito longe de ser uma característica que resume ou que sequer descreve um soulslike. No entanto isso não impediu que a expressão usada ironicamente e não ironicamente de que um determinado jogo seria o Dark Souls de seu gênero viesse a nascer como uma forma chula e rasa de chamar um jogo de difícil acima do padrão.


Esse assunto é tão ricamente denso em matéria de game design e de análise crítica, que mesmo uma leviana afirmação de que “difícil” é sinônimo de “desafiador” se trata de algo recheado de nuances a serem mastigadas e digeridas com critério por quem decide dedicar-se ao ofício, seja por hobby ou profissionalmente.


Mas tudo isso é apenas um bom preâmbulo pra começarmos a falar sobre o mais recente título da desenvolvedora Aggro Crab, o soulslike Another’s Crab Treasure.



Em um título que se propõe a de certa forma parodiar o popular subgênero, a desenvolvedora de Another’s Crab resolve em seu segundo jogo tomar pra si o desafio de reproduzir a fórmula sob sua ótica e mexer num vespeiro por meio do que faz melhor: tirar sarro de si mesma.


A Aggro Crab se define como uma empresa "muito profissional de jogos", com o L dessa frase deslocado e imitando um letreiro defeituoso (no site tem uma animação do L balançando pra lá e pra cá). Nada define tão sucintamente a leveza e o humor que o estúdio vem demonstrando no mercado, e em Another’s Crab Treasure não seria diferente.


O humor do título já começa desde seu trailer de anúncio, trailers subsequentes e interações e postagens nas redes sociais. Com um toque provocativo, cutuca uma ferida que assola a comunidade gamer e a mídia especializada todos os anos: opções de acessibilidade com ajustes de dificuldade.


Debate considerado cansado, mas curiosamente nunca superado, Another’s Crab Treasure manda às favas qualquer pretensão que possa ser considerada elitista em discussões acaloradas oferecendo além de diversos ajustes moderados a possibilidade de dar ao protagonista uma enorme e gritante arma de fogo para que a pessoa no controle possa atropelar os inimigos e se divertir com a aventura de Krill, o caranguejo-eremita.

Nossa aventura tem uma premissa super simples e pautada na Jornada do Herói: Krill está em seu bolsão de areia levando sua vida pacífica, quando uma espécie de cobrador o aborda para que ele pague o tributo devido à duquesa Magista, nova dona do pedaço.


Atônito com a novidade, Krill fica sem reação enquanto ele tem sua casa, uma concha de sua enorme estima, tomada pelo cobrador misterioso. Desolado e desorientado, Krill segue o cobrador em uma tentativa desesperada de apelar à duquesa para que ele mantenha sua casa e receba alguma forma de prazo para pagar a dívida.


A partir daqui o caranguejo irá enfrentar uma jornada onde busca entender o mundo que vive e será confrontado com questões que desafiam sua consciência social. Já desta primeira situação é possível notar o caráter metafórico que os autores de Another’s Crab Treasure pretendem adotar em sua narrativa.


Por meio dessa fábula, seremos conduzidos por uma aventura no fundo do mar que ironiza a inocência dos animais enquanto ignorantes dos males que lhes são causados por seres que eles sequer têm noção da existência. É uma história que se assemelha a clássicos como Procurando Nemo, no cinema, e que introduzem temáticas ecológicas por meio de sutilezas não tão sutis.


Esse tom também é carregado para além da narrativa. Em sua jogabilidade, Another’s Crab Treasure sutilmente (sem ser sutil) incorpora referências claras de jogos como Elden Ring e Sekiro: Shadows Die Twice em suas mecânicas e design. A exploração do mundo se baseia no que vimos no mais recente jogo da From Software, Elden Ring.


O próprio mapa desenhado a mão evita funcionar como um GPS, apenas indicando um posicionamento geral do jogador no ambiente. O mundo está recheado de segredos e a exploração é recompensada com itens únicos e tesouros que auxiliam mesmo o jogador com mais dificuldade em jogar soulslike a sempre ter uma fonte de recursos para comprar coisas e subir níveis mesmo que morra constantemente.


Em verdade, Another’s Crab Treasure incorpora à exploração de seus mapas abertos uma boa dose de design de plataforma, com saltos e ganchos que permitem ao jogador diversificar a forma de se locomover e investigar o ambiente. Essa inclusão adiciona à mixagem de gêneros que o próprio soulslike por si representa algo que já vimos acontecer antes, como em Star Wars Jedi: Fallen Order da Respawn Entertainment, então não é exatamente uma novidade, mas sim uma boa execução da ideia.


A condução da aventura entretanto adota uma estrutura narrativa mais tradicional, algo que destoa de um dos elementos de souls costumeiramente citado em discussões que é a narrativa fragmentada e críptica, com apelo para o diálogo comunitário, jogando para a comunidade uma camada extra que é compreender e montar a história.


Por meio de diálogos e cutscenes de fluxo linear, Another’s Crab Treasure não explora esse tipo de narrativa dos souls. Para mim, que não sou fã desse estilo, é muito mais divertido engajar na história assim, já que num geral a trama dos jogos da From Software acaba me sendo totalmente desinteressante e fica em completo segundo plano, beirando o descartável, já que não costumo curtir ter que ficar caçando discussão em fóruns ou montando pedaços do roteiro, e tampouco me interesso pelo gênero artístico de Dark Fantasy e suas tragédias épicas.


Isso vem também na temática. Enquanto os reprodutores do subgênero costumam adotar artes mais soturnas e frequentemente a já mencionada direção de fantasia sombria domina o meio, a Aggro Crab optou por manter a leveza da proposta com uma direção super colorida e cartunesca, lembrando o desenho animado Bob Esponja, frequentemente referenciado nas críticas e comentários nas redes sociais.

Essa contradição entre a vivacidade lúdica da direção de arte e a brutalidade do combate enriquece o humor inocente da narrativa, sem destoar e sem criar algo incoerente. Até porque a própria brutalidade do combate possui meios de ser atenuada via opções de dificuldade já mencionadas.


Mais do que facilitar, as opções oferecem pequenos ajustes que o jogador pode optar por ligar e desligar e assim confeccionar uma dificuldade que lhe seja mais aprazível. Mas o desafio está lá e temos diversas formas intrajogo de superar os obstáculos sem precisar recorrer aos auxílios externos.


É uma feliz ideia que haja essa possibilidade de personalizar a experiência metajogo, mas é mais elogiável ainda o cuidado com que os desenvolvedores montaram e exploraram os encontros e eventos que compõem o jogo de forma a oferecer aos jogadores mais dispostos a se desafiar uma adversidade à altura, algo que muitos jogadores do subgênero temem ser perdido na presença de opções de dificuldade.


Aqui a desenvolvedora demonstra que é totalmente possível executar um soulslike sem apelar para a dificuldade desmotivante que frustra tanta gente que acaba abandonando e maldizendo esse subgênero que eu verdadeiramente acho extremamente divertido e capaz de prover emocionantes catarses na superação de seus desafios, contanto que eles não sejam desmoralizadores como infelizmente acaba acontecendo pra muitos jogadores.

Another’s Crab Treasure é, portanto, esse misto divertido de um combate punitivo e ambientação descontraída que usa seu humor pra não só conduzir sua história, como satirizar o próprio subgênero e as discussões inerentes à questão de dificuldade. É acima de tudo uma experiência descontraída e desafiadora, num equilíbrio que é notável e digno de justos elogios.


No melhor estilo "Sorry (I'm not sorry)" - com o perdão da referência - Another's Crab Treasure utiliza perfeitamente da sutileza nada sutil para dar uma bela lição sobre game design habilmente desafiador pero sin perder la ternura jamás.


E uma cereja do bolo: totalmente em Português.


Texto editado e revisado por Maya Souza (@ShinMayanese).



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